Durante o ano em que morei em Chicago, houve dias em que chegava da escola e punha direto para tocar "Don't pass me by", canção do
Álbum Branco dos Beatles. Pela época, não tinha como eu ir ouvindo a música já a caminho de casa, no discman e muito menos no iPod. Então, era chegar, pegar o primeiro disco, pôr o lado da maçã mordida para cima e levar a agulha até a sexta faixa.
De tanto executar essa operação, uma vez o Dave, my American father, disse que eu era a única pessoa que ele conhecia que pegava o
Álbum Branco só para ouvir aquela música, o que recebi como um elogio.
A própria descrição da operação é já reveladora do lugar que a primeira música composta por Ringo Starr teve em um disco do Beatles: a sexta faixa do lado 2 de um disco duplo. Bem, alguma música teria que ser a sexta do lado 2, como alguma teria que ser a quarta do lado 3 ou a terceira do lado 4, mas nada é acidental.
A música de Starkey, Richard Starkey, existia já há alguns anos, porém não lhe fora dada ainda a chance de conhecer a luz do dia, apesar dos rogos do baterista. Convém lembrar que mesmo o George suava para conseguir inserir as suas (se "Taxman" abre
Revolver, como já postei por aqui, as suas "Not Guilty", "Sour Milk Sea" e "Circles" ficaram de fora do
AB) porque, emfim, não era tarefa fácil escrever canções em um grupo onde havia Lennon e McCartney.
Um biógrafo do Ringo, Alan Clayson, é cruel: diz que a presença de "Don't pass me by" em um disco dos Beatles mostra o quanto o nível de exigência da banda (e aqui leia-se John, Paul e George Martin) havia caído. Já David Quantick, que dedicou ao
AB um livro inteiro, é menos malvado, embora admita que, fosse o
AB um disco simples, esta é uma das canções que teria ficado de fora.
Ainda bem que não ficou, ainda bem que o disco é duplo, é ideal para ser o disco dos Beatles a ser levado para a ilha deserta pelo motivo simples de ter mais músicas.
"Don't pass me by" conta apenas com dois beatles: Ringo e Paul, este no baixo e piano e Ringo no piano, bateria e, claro, vocais. O instrumento que se sobressai, no entanto, é o viloino country, tocado por Jack Fallon, capaz de enervar qualquer um, mas que eu adoro. O piano... bem, não esperem um piano Steinway. É mais uma pianola desafinada, provavelmente a que tocava no saloon quando Rocky Racoon e Dan travaram seu embate.
Ringo iria ainda cantar em "Goodnight" (composição dos mestres), a última faixa do disco, ironicamente colocada depois da apocalíptica "Revolution 9" e, graças a uma orquestração disneylândia, uma das poucas músicas dos Beatles que realmente evito. (Mas que vale ouvir em seus primeiros
takes, ainda sem o maldito edulcorado arranjo).
Oito Motivos para se ouvir "Don't pass me by":
1) Ela te deixa feliz.
2) Tem um violino country-western contagiante, que soa mais como uma rabeca.
3) Dá para ouvir no telhado.
4) É boa para ensinar o
phrasal verb do título.
5) É um sal de frutas para as dores de cotovelo, e talvez por isso eu a ouvisse tanto em Chicago, ignorado que eu era pelas deusas de olhos claros da Francis Parker High School.
6) Ela saiu como single na Escandinávia!
7) Foi gravada há exatos vinte dias antes de eu nascer, sendo este, e apenas este, um motivo de ordem estritamente pessoal.
8) It's a Ringo's!