Monday, November 14, 2022

(Faltava falar de) Majorlândia II

Assim como em Iguape, também gravei os cocos de Majorlândia em fita cassete, naquela noite de janeiro de 1992. Ao contrário da de Iguape, no entanto, não a  encontrei. Guardo no coração alguns cocos daquela noite: "Andorinha Branca", "Me dá um cacho" e o indefectível "Maneiro Pau". Voltar a Majorlândia, portanto, prometia fortes emoções e já na van lotada que me levou de Aracati até lá eu repetia às pessoas, criança, que estava voltando passados trinta anos. Essas pessoas na van lotada, umas eram nascidas em 92, outras não, respondiam com um "Seja bem-vindo de volta"

E reencontro a família dos Mendes, que me transmitem ideia de família sólida e unida. Posso estar caindo naquela esparrela do viajante que, de passagem, vê tudo com olhos de contos de fada, mas a impressão que tive e tenho é esta: uma família unida em torno da matriarca Joana, mulher do falecido Zé Mendes, que este ano mesmo completou 100 anos. Hugo, o puxador de coco em 1992, ótimo e irreverente, está recolhido numa casa ao lado, já entronizado na História como Mestre da Cultura do Ceará

Falamos das eleições (todes eleitores do Lula, por que será?), falamos de futebol, falamos de coco. Por motivos diversos, o grupo está desfalcado, mas conseguem fazer uma apresentação caseira e linda, com Baiano, filho de Zé Mendes, no ganzá e iniciando no ofício de puxador

Começam no quintal da casa. Passaram-se 30 anos, no Brasil há guerra e fome, mas uma família cearense ainda se encontra no quintal de sua casa para dançar o coco. Logo ocupam a rua, espaço tão familiar quanto o quintal. Estamos em 2022, saímos de uma pandemia e de um período de trevas e ignorância. E uma família cearense se une para dançar o coco

Isso tudo me põe comovido como o diabo. A Ypióca Ouro ajuda. E pego meu triângulo para me unir ao ganzá e ao caixão nessa doce liturgia










Agradeço imenso à Liciane, neta de Zé Mendes, filha do Baiano, que reuniu a família para a apresentação. Não esperarei trinta anos para voltar. Volto antes de Joana completar 102.

(Faltava falar de) Majorlândia

Há cinco meses fiz aqui postagem relatando minha volta a Iguape, Ceará, para reencontrar o pessoal do coco que eu conhecera há trinta anos e cujo conhecimento foi um dos princípios da minha vida

Falta falar de Majorlândia, que, aliás, conheci antes de Iguape. Uma história que não esqueço e que conto até hoje. Foi assim:

Da cidade histórica de Aracati há estrada para o litoral, que em dado momento se bifurca: pra cima, Canoa Quebrada, pra baixo, Majorlândia. Sempre lado B, escolhi esta última. Levava comigo a Antologia do Folclore Cearense, do Florival Serraine, e só então, no meu quarto da pousada de cama de alvenaria, descubro o artigo de Oswald Barroso sobre os coco de Majorlândia. Ou seja, não escolhi Majorlândia por causa dos cocos (como eu mesmo já me enganei), descobri-os ali, em livro

Saí então para a rua atrás dos cocos. Pergunto a um sujeito na rua, que responde Ah, isso acabou tudo, é coisa dos antigo, não tem mais essas coisa não. Fico arrasado. Mas eis que vem outro sujeito em minha direção, a quem pergunto, já desanimado:

Moço, ainda tem coco por aqui? 

Tem muitcho! Tem ali na casa de fulano de tal, tem ali e acolá!

Radiante, apressado para correr atrás de suas dicas, pergunto ainda:

Obrigado, obrigado! E qual o seu nome?

E ele:

Zé Coco!

Que história. Na mesma noite, conheço o coco do clã de Zé Mendes, conheço seu filho Hugo, repentista e tocador de ganzá. Me encanto com a família que dança em volta da árvore no quintal

Pois faltava voltar a Majorlândia, ainda este ano, trinta anos. Voltei

Hugo em 1992

Hugo Mendes hoje

Saturday, November 12, 2022

Eu sempre andei como São Jorge na lua ::: Cearenses

 

Majorlândia


Eu não sabia como agradecer aquele presente que o céu tinha me dado. A morena era a minha alegria, a luz dos meus olhos, todo o bem que eu possuía no mundo, porque, deixe-me dizer, eu sempre andei como São Jorge na lua. Nunca tive de meu um vintém

(Tigipió, Herman Lima)




Aracati





Aldeia da Encantada




Majorlândia


Cascavel







Moita Redonda

Cascavel




Iguape

Fortaleza


Tuesday, October 25, 2022

Boi Calemba

Boi Calemba é como o potiguar chamam o folguedo que os maranhenses chamam de bumba-meu-boi e os amazonenses, de bumba-meu-boi, nomes que se popularizaram mais. O Boi Calemba de São Gonçalo do Amarante, na grande Natal, completou este ano 118 anos de existência. Cento e dezoito. Em um país como este, em que as coisas pouco duram, exceto as más, como o patriarcalismo, o machismo, o racismo

Escrevo amargo, é verdade, nesta semana tensa que precede a eleição mais importante de nossa triste História. Ou ela se redime aqui, a História, ou vai mesmo para a lata de lixo, não sei se com reciclagem possível. Estamos no Nordeste. E é duro andar pela orla de Natal e ver as varandas e os carros ostentando o nome e o semblante doentio do genocida. Mas chegar nos recantos de cultura popular e ver a presença do Lula é um alívio que basta a lógica para explicar

Mário de Andrade, em sua viagem de 1928, ouviu o Boi Calemba de São Gonçalo do Amarante. Cascudo, claro, conhecia-o bem e talvez por isso o tenha nomeado o folguedo mais representativo de todo o folclore brasileiro

O crânio do boi é o mesmo do começo do século passado. O mesmo, pois, que Mário e Cascudo alisaram com os olhos marejados...

Uma vez mais, uma pena falar de um folguedo musical e não conseguir postar vídeos, por pequenos sejam

 










 




 PS: Assistimos a um ensaio. Se por um lado não gozamos daquelas roupas lindas brilhantes como a lua, por outro gozamos de certa intimidade, só possível em momentos assim. Agradeço muito ao Kléber e ao Mestre Dedé