Antes mesmo que eu chegasse à quarta parte do romance, mais ou menos à página 40, eu já estava lendo devagar, às vezes a mesma frase três vezes. Modo de, inconscientemente, fazer a leitura render mais, a cada avanço sentindo a pergunta assomar: "Meu Deus, que que eu vou ler depois disso?"
Não era à toa que matavam os recém-nascidos. Pior era nascer. Ele me disse: "Uma cultura está morrendo". Agora, quando penso nas suas palavras cheias de entusiasmo e tristeza, me parece que ele tinha encontrado um povo cuja cultura era a representação coletiva do desespero que ele próprio vivia como um traço de personalidade E compreendo por que quisesse tanto voltar aos Trumai e ao inferno que me relatou. Como se estivesse cego por algum tipo de obstinação. Queria impedir que desaparecessem para sempre. O livro que escreveria seria uma forma de mantê-los vivos, e a si mesmo.
(Nove Noites, Bernardo Carvalho)
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