Sunday, June 11, 2017

O Conto Zero, Sérgio Sant'Anna



Em seu mais recente livro de contos, O Conto Zero e Outras Histórias, Sérgio Sant'Anna persegue o que seria este conto zero, assim descrito na página 7: a prosa solta, não-escrita e, portanto e naturalmente, sem a necessidade de continuação e muito menos desfecho. Pode-se argumentar : "se você não escreve não é um conto, mas para você é'.

Neste livro Sérgio escreve e reescreve por vezes o mesmo conto, um por cima do outro, assim como o "Entre as Linhas", do livro Páginas sem Glória.

E, de fato, entre as linhas do meu texto, ela fora rabiscando outro texto. (...) Me fascinava de tal modo o texto que ela ia pronunciando, que essa peça crítica – e, por que não dizer?, também literária e até poética – terminou por tomar, com retoques meus de acabamento, o lugar de minha novela, tornando-se um novo produto que deve ser debitado a nós dois, como se poderá conferir pelo seu resultado. (pp. 7- 8)

Assim são "O Conto Zero", "O Conto", "O Museu da Memória". O projeto, portanto, é de todo utópico: no encalço do conto zero, produz o conto +1 e o ++1 e o +++1. Quando abandona o projeto, na obra em questão, nos saiu com o chatíssimo "Vibrações", o tiozão machista e falastrão querendo impressionar os sobrinhos boquiabertos na mesa da noite de Natal, depois que Papai Noel já passou (já malhei este conto aqui).

Penso na dicotomia sausseriana entre langue e parole. O conto zero é a parole, o que lemos é a langue. Se esta é instrumento e produto da parole, aquela e constitui de atos individuais, múltipla, imprevisível, irredutível a uma sistematização.

O conto zero mesmo nós não lemos. O conto zero mesmo já fora também descrito no conto "Prosa" do livro anterior O Homem-Mulher:

E sinto que não serei eu a realizá-lo, mas, por acaso, não me bastará este pressentimento, permitindo que eu repouse como um criador no silêncio da alta noite, que, no entanto, não é bem silêncio, mas o som do fluir da corrente sanguínea?

Se isso tudo me lembra também algo do grau zero da escritura de Barthes, sem suas implicações políticas imediatas, me lembra ainda mais "O Último Poema", do Bandeira, a pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos, a paixão dos suicidas que se matam sem explicação, certo de que, enquanto rabiscamos estas conjecturas, talvez haja agora um sujeito a fumar um cigarro à janela de seu apartamento em Laranjeiras, pondo no papel seu conto +1 e sonhando porventura com seu -1.

PS: Esta postagem fora prometida aqui. Quase nunca cumpro as postagens que prometo, mas desta vez fiz. Para a Susana Rodrigues, leitora portuguesa, que incentivou. Para a Pampi, tão envolvida.







1 comment:

Susana Rodrigues said...

Xiii, Evandro, quanta honra, muito obrigada!!

Estava a ler esta sua postagem e a pensar que, se encontrar este livro na Feira do Livro que decorre agora em Lisboa, compro-o.

(Que bom é lê-lo, Evandro)