6 anos |
Lembrança viva e das mais antigas que tenho da infância: certa noite meus pais recebiam visitas (coisa rara) e me puseram para dormir. Acordei algum tempo depois com a luz e o vozerio da sala, para onde me dirigi, tímido e confuso. Ao dar com o grupo pergunto: "Hoje é amanhã?"
(E aí me lembro de meu pai vindo carinhoso em minha direção para reconduzir-me ao quarto e, claro, depois anotar a frase)
A concepção de tempo das crianças é, por óbvio, distinta da nossa. E mesmo entre nós, adultos chatos, encontraremos diferenças. E aí misture o ser criança com o autismo e com a grande ansiedade. Não é mole, não. Se estou vestindo a calça, acredito que a única coisa possível a ser feita depois de vestir a perna direita será vestir a esquerda. Com o Dante não é assim, o tempo é outro. Pode ser poético dizer que aprendo com isso (e é verdade), o stress, contudo, de levar a cabo tarefas rotineiras chega ao Pico do Perdido, que nos observa quieto.
Assim, um dos maiores ganhos do Dante, para a sua organização e bem-estar (e o geral da nação), foi entender o conceito de depois, expresso no gesto das mãos fechadas girando uma sobre a outra. Ele não só entende quando vê como também faz, às vezes girando as mãos no sentido inverso, não se pode ter tudo. Quando empacamos em algum querer e ele entende que isso será depois, faz o gesto, sorri sorrimos aliviados.
Ainda um outro gesto organizador: estender a mão espalmada para que mostremos, nos dedos, o que ele já fez no dia. Ou o que fará. Simples e maravilhoso assim. Acho que foi o seu mediador Robson que o ensinou. Ele gosta tanto que, claro, pede setenta vezes ao dia.
Para acompanhar: "Time is", do It's a beautiful day". For those who really love / Time is eternity
1 comment:
Este blog é tão didático quanto poético.
Fiquei reconstituindo mentalmente as cenas narradas.
Você é um escritor genial!
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