Thursday, November 10, 2016

A Solidão dos Inconstantes

Paula Rego


Ganhei A Solidão dos Inconstantes da própria Raquel Serejo Martins, há coisa de dois anos, em escambo: enviei-lhe dois meus e ela, este romance.

Fui recuperá-lo ontem, não sei bem por quê, talvez o título. E teve ele que furar uma fila / pilha grande, amontoada no braço do sofá.

Já o primeiro parágrafo me pegou pelo laço, para além de me ensinar a palavra atacadores, a quem aqui denominamos cadarço. Como deixar de lado livro assim?

A narrativa é muito fluida e poética. A poesia pensada de cada período não atrapalha o enredo, antes o impulsiona. Cheguei à metade da metade do livro e estou amando. A única coisa ruim são as notas explicativas, não sei se da autora ou da editora. Com certeza, não da narradora.

A Inês começou a soltar-se. Com uma tesoura cortou as cordas e laços que lhe prendiam as mãos, os cotovelos e os ombros, que lhe prendiam os pés e os joelhos. Viu que conseguia manter-se sozinha, em pé, começou a andar, a andar, a andar, a flutuar pela sala, e feliz a dançar ia dizendo que o objectivo de Piazolla era alcançar a carne dos instrumentos, o tutano, o latido corporal da madeira.

E ela continuava -- O som de Piazolla é muito mais do que a simples materialização sonora da partitura, ele explora o lado negro do tango e, neste álbum, ao jogar, ao oscilar com outro acordeão, procurava encontrar o seu alter-ego, o seu outro eu, um extensão dos seus dedos e do seu estilo, realizando assim um diálogo consigo mesmo. Trata-se mais de um solo em duplicado do que um duo, do que resulta por vezes uma maior tensão, uma espécie de conflito ou luta anterior.






 

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