Tenho pelo menos quatro livros sobre quilombos / quilombolas: os dois acima e dois outros monográficos sobre Castainhos, em Pernambuco, e sobre uma comunidade perto de Juiz de Fora.
Há coisa de alguns anos vivi um dilema ético terrível, coisa mesmo hamletiana, para não dizer de Bodhisattva. Explico.
Meu pai querido, um dos homens da minha vida e com quem muito (tudo?) aprendi sobre honestidade e ética, é advogado da Marinha. Pouco mais que isso: é consultor jurídico do Ministro da Marinha.
E aqui, parênteses: ele é civil. Pode parecer que fujo do assunto, mas gosto de lembrar: no grande embate Lula X Collor em 1989, ele votou no primeiro. E até final de semana passada, do alto dos seus 81 anos, tentava convencer minha irmã a não anular o seu voto e, sim, votar no Freixo. Logrou sucesso. Isso um civil que passou seus últimos 60 anos trabalhando em meio a militares.
Pois. Este pai, sujeito que já pediu que se colocasse em sua lápide (toc-toc-toc) apenas a frase AMOU OS LIVROS, viu-se enredado num caso que já vem de longe, que é a disputa que a base naval da Marinha de Aratu, em Simões Filho, Grande Salvador, tem com quilombolas da região.
Quando soube que ele iria, naturalmente, por dever do ofício, advogar a favor da Marinha e contra os quilombolas, hesitei mui fortemente se emprestaria a ele o livro Quilombolas - Tradição e Cultura da Resistência ou não! Negar um livro a meu pai, a quem tanto devo? Jamais! Emprestá-lo sabendo que ele faria uso dele contra os quilombolas? Nunca!
Claro que a leitura do livro poderia ser importante para que ele visse o outro lado do embate; porém, de qualquer modo, ele ratificou que iria fazer parecer requerendo a terra para a Marinha que, em troca, ofereceria aos quilombolas "coisa muito melhor" e que iria usar o livro de algum modo para amparar a sua posição.
Emprestei-lhe o livro, deixando clara a minha posição e cheio de temores. O pai fez seu parecer. Os quilombolas, malgrado os esforços do consultor, continuam lá, não arredam pé.
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