Tuesday, November 26, 2013

Igreja de Nossa Senhora da Saúde



Agora que vão adiantadas as obras do "Porto Maravilha", com famílias expulsas, pelo menos um botequim tradiconal (o Bar Porreta) posto abaixo e novas avenidas traçadas, o meu célebre 750 Charitas-Gávea passeia todo pimpão por espaços antes de todo ocultos da vista dos homens.

A igrejinha de N.S. da Saúde, que empresta o nome ao bairro e que só podia ser vista de relance do alto do Elevado, certamente será redescoberta pela população. E isso, depois de tudo por que ela passou, é coisa boa.

Visitei-a ano passado, não sem antes enfrentar a desconfiança quase grosseira do atual zelador (aliás, vascaíno fanático, trazendo esta paixão em comum tatuada na pele).

Era a única, ou das únicas, igrejas cariocas com alguma policromia na azulejaria. Conserva na sacristia um lavabo de embrechados também sui generis (conchas, cacos de louça, cacos de azulejos holandeses). E na pintura da nave (técnica de marouflage, em que a tela pintada é colada à superfície) andorinhas vão voando seus voos barrocos.

A igreja passou por restauração cuidadosa. Mas vale a pena conhecer um pouco de suas vicissitudes, na pena de Alexei Bueno, em sua pequena obra-prima Gamboa:


"Uma das coisas extraordinárias nessa igreja, para além de sua arquitetura, é o seu lento martírio, o mudo martírio dos monumentos desprezados pela urbe. Com os aterros, perdeu o mar, a vista, e ficou cercada de armazéns imundos e nuvens de monóxido de carbono. Com a construção de uma nova matriz, perdeu os fiéis. Tombada pelo Iphan em1938, foi restaurada pelo mesmo órgão nos anos 1960, e novamente no fim da década seguinte. Nos anos 1980, o vigia que nela morava, bêbado, louco os ou dois, matou toda a família em crime de pouca repercussão, como todas as tragédias populares. Abandonada, foi sendo pilhada paulatinamente, desde alfaias e pedaços de talha até que, horror dos horrores, fato inacreditável, surrupiaram-lhe dois dos painéis de azulejo [placa na igreja fala em quatro painéis], peça a peça, em trabalho cirúrgico e demorado, deixando imcompleta, provavelmente para sempe, a linda bande dessiné azul que contava a história do sábio José e de seus desalmados irmãos. Para cúmulo de tudo, exatamente embaixo de sua fachada ergueu a Casa da Moeda uma monstruosa almanjarra metálica, crematório de cédulas velhas e imprestáveis, sonhos desfeitos de fortuna que vão poluir impiedosamente a igreja secular em cima." (pp. 37-38)




O lavabo de embrechados




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