Agora que vão adiantadas as obras do "Porto Maravilha", com famílias expulsas, pelo menos um botequim tradiconal (o Bar Porreta) posto abaixo e novas avenidas traçadas, o meu célebre 750 Charitas-Gávea passeia todo pimpão por espaços antes de todo ocultos da vista dos homens.
A igrejinha de N.S. da Saúde, que empresta o nome ao bairro e que só podia ser vista de relance do alto do Elevado, certamente será redescoberta pela população. E isso, depois de tudo por que ela passou, é coisa boa.
Visitei-a ano passado, não sem antes enfrentar a desconfiança quase grosseira do atual zelador (aliás, vascaíno fanático, trazendo esta paixão em comum tatuada na pele).
Era a única, ou das únicas, igrejas cariocas com alguma policromia na azulejaria. Conserva na sacristia um lavabo de embrechados também sui generis (conchas, cacos de louça, cacos de azulejos holandeses). E na pintura da nave (técnica de marouflage, em que a tela pintada é colada à superfície) andorinhas vão voando seus voos barrocos.
A igreja passou por restauração cuidadosa. Mas vale a pena conhecer um pouco de suas vicissitudes, na pena de Alexei Bueno, em sua pequena obra-prima Gamboa:
"Uma das coisas extraordinárias nessa igreja, para além de sua arquitetura, é o seu lento martírio, o mudo martírio dos monumentos desprezados pela urbe. Com os aterros, perdeu o mar, a vista, e ficou cercada de armazéns imundos e nuvens de monóxido de carbono. Com a construção de uma nova matriz, perdeu os fiéis. Tombada pelo Iphan em1938, foi restaurada pelo mesmo órgão nos anos 1960, e novamente no fim da década seguinte. Nos anos 1980, o vigia que nela morava, bêbado, louco os ou dois, matou toda a família em crime de pouca repercussão, como todas as tragédias populares. Abandonada, foi sendo pilhada paulatinamente, desde alfaias e pedaços de talha até que, horror dos horrores, fato inacreditável, surrupiaram-lhe dois dos painéis de azulejo [placa na igreja fala em quatro painéis], peça a peça, em trabalho cirúrgico e demorado, deixando imcompleta, provavelmente para sempe, a linda bande dessiné azul que contava a história do sábio José e de seus desalmados irmãos. Para cúmulo de tudo, exatamente embaixo de sua fachada ergueu a Casa da Moeda uma monstruosa almanjarra metálica, crematório de cédulas velhas e imprestáveis, sonhos desfeitos de fortuna que vão poluir impiedosamente a igreja secular em cima." (pp. 37-38)
O lavabo de embrechados |
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