No carnaval de 2000 estávamos minha mãe e eu esprimidos na escadaria do Municipal esperando o Bola Preta sair. De repente espoucam morteiros, uma voz fala ao microfone e o Bloco está, oficialmente, na rua. Uma alegria infernal. Ao nosso lado, um velho repetia que o Bola bom era o do passado, que aquilo não era a mesma coisa, o blablablá de sempre. Mãe e eu meneávamos sisudos as cabeças, para depois comentar: "Pô, que velho chato, se não tá gostando que ficasse em casa, cacete!".
Juro que não quero ser igual a esse velho ao comentar o show The Wall só porque conheço e ouço a obra há mais de 30 anos. Juro que acho formidável a renovação do público bem como, enfim, uma obra conceitual de rock progressivo (não esqueçamos disso) arrastar milhares para um estádio de futebol em pleno país do tchan. E juro que achei o show maravihoso.
Mas há duas coisas que me incomodam.
Ao fim do show, uma boa parte da galera pediu bis gritando o nome de uma música. Qual? "Wish you were here". Putz. Sentindo já o espírito do velho do Bola se aproximando: saberão eles que foi justo uma atitude dessas que causou profundo desconforto e nojo em Roger Waters e assim gerou The Wall? Explico.
Em julho de 1977, em Montreal, durante um show do Pink Floyd, um garoto gritava enlouquecido. É provável que pedisse uma música, é possível que esta fosse "Money", embora a tour fosse do Animals. Gritava e gritava para os seus semideues no palco. Aquela histeria causou um mal-estar tão grande em Roger que ele cuspiu na cara do garoto. Mais tarde, no hotel, seu mal-estar era ainda maior, chocado com seu próprio comportamento. Dessa experiência, dessa epifania em que percebeu às claras sua alienação (e a do fã), nasceu a história de um artista que constrói uma parede em torno de si para separar-se e proteger-se do mundo.
Voltando ao Engenhão. Podia ser que pedissem "Money" também. Ou seja, assiste-se a uma ópera-rock inteira, mas a impressão que se tem é que a galera quer mesmo é o single, o hit, a musiquinha da fogueira do acampamento. Mal comparando,seria como assistir ao Beatles tocando o lado B inteiro do Abbey Road e depois gritar: "Can't buy me love!!!!". Ou como ouvir o próprio Mozart regendo seu Requiem. Ao fim, batemos palmas e falamos: "Bonito isso, Seu Amadeus, profundo, mas agora dá pra tocar Eine Kleine Nachtmusik?"
Muitos anos se passaram desde o episódio de Montreal. Roger é o primeiro a admitir que já não é a mesma a parede existente entre ele e o mundo. Em 1977, ele reagiu com uma cusparada. Em 2012, no Engenhão, reagiu, cheio de British wit: "But we are here...". Pena, talvez. A cusparada gerou The Wall. O que essa resposta poderá gerar?
4 comments:
No anos 80, a música da fogueira do acampamento era Another Brick In The Wall, Pt. 2. com seu refrão! Com seu videoclipe: os puristas esbravejaram; os moderados, que haviam defendedido o álbum Animals dos patrulheiros do prog, desistiram; as viúvas do Syd Barrett riram pra valer.
Ainda bem que eu era apenas um menino de 15 anos, ignorante demais pra entrar nessa discussão!
Raul
Bom texto sobre uma ótima banda,tão pouco valorizada por essa gente imbecil, rock hoje em dia está praticamente morto, e sempre é bom reviver esses semi-deuses ,sendo reviver uma palavra injusta, caras como eles nunca morrem...
Quem vai ao show do The Wall querendo ouvir Money não devia nem sair de casa. É de uma ignorância absurda e eu vi gente dizendo que "não viu o set list". Beira a burrice...
E a segunda coisa que te incomoda?
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