Monday, March 26, 2012
Tomei cerveja com Bodhisattva
Bodhisattva é representado com os cabelos longos, hippie avant la lettre que adia sua iluminação, sua entrada no Budado, sua imersão no Nirvana, quando poderia, enfim, cessar Samsara, a roda de nascimentos e mortes, para ficar mais tempo junto aos homens e assim ajudá-los.
Eu já conhecia história suas, sua bela imagem a vi pela vez primeira por ocasião de uma linda exposição no Art Institute of Chicago. A imagem que ilustra este post é, creio, a que vi, imagem japonesa, bem diferente, portanto, das indianas que por aí circulam.
Uma das histórias (conto tudo de memória) dizia que Bodhisattva certo dia caminhava quando deparou-se quando um pombo prestes a ser devorado por gavião. Instintivamente, ele o salva e protege sob seu manto. A ave de rapina, esfomeada, roga ao Bodhisattva que o entregue, o que ele nega com veemência. A ave insiste, explicando-lhe que aquele é seu alimento, daí sua necessidade. Boddhisattva, já não tão convicto, não entrega o pombo. A ave, então, suplica, dizendo que não pedira para nascer assim, para ser o que é, que se não se alimentasse naquele momento, iria morrer.
Bodhisattva não sabe o que fazer. Deixar que o gavião morra à sua frente, quando tudo o que quer é alimentar-se? Não. Entregar o pombo indefeso para a morte? Jamais. Eis que uma uma balança cai do céu e ele coloca a ave em um de seus pratos. No outro, coloca um pedaço de sua carne, cortada do braço. A ideia era dar ao gavião um pedaço de si, de modo a salvá-lo e também ao pombo.
A balança, entretanto, inclina-se para o lado do pombo. Bodhisattva corta mais um pedaço de sua carne, mas o fiel da balança continua inclinado para o lado do pombo. Ele corta mais e mais, porém, a balança teima em inclinar-se para o lado da ave. Num momento de desespero, pula para o prato e a balança, assim, equilibra-se como que miraculosamente. Uma vida por outra vida. O gavião metamorfoseia-se no deus Indra, dizendo que queria por-lhe a prova. Do céu cai uma chuva de ambrosia, que as feridas do Boddhisattva pensa.
Minha amiga Marcela deu outra noite com um vagalume preso em uma teia de aranha. Isso na varanda de sua casinha em Ouro Preto, onde conclui mestrado em filosofia. A noite era cálida e o vagalume piscava SOS. Que fazer? Ao perceber a aproximação humana, Dona Aranha cessa seus movimentos, parecendo ela mesma um pedacinho de madeira enredado na teia. Marcela sabe que, assim que der as costas, a aranha descongelar-se-á rumo a seu banquete. O vagalume pisca SOS.
O mais absurdo de tudo talvez seja que Marcela fora à varanda para fumar um cigarro, interrompendo estudos que faz sobre texto do filósofo Georges Didi-Huberman. O nome do texto? Sobrevivência dos Vagalumes, editado entre nós pela UFMG.
A vida não é cheia de coincidências, basta estar um pouquinho ligado, o que talvez demande um bocado. Ou um pouco distraído, como quem sai para fumar um cigarro numa noite cálida nas Gerais.
Subscribe to:
Post Comments (Atom)
4 comments:
Adorei o texto...
Nossa, a vida é mesmo cheia destas surpresas...
=)
Mesmo respeitando sua imaginação criadora, peço a palavra para contar minha versão da história:
Meu amigo Evandro, dei, sim, outra noite com um vagalume preso em uma teia de aranha. Não era na varanda de minha casa em Ouro Preto, mas justamente na frente de meus olhos, justo acima de minha mesa de estudos, na sala. A noite era realmente cálida e o vagalume piscava SOS. Angustiadamente, me perguntei o que fazer? Não pensava no exemplo de Bodhisattva, nem tão somente no texto de Didi-Huberman, tinha a certeza profunda que o vaga-lume estava se comunicando comigo.
Realmente fumei um cigarro, talvez na tentativa de dar uma última chance a dona Aranha de comê-lo, mas as aranhas são um pouco sádicas, pois preferem ver sua presa sofrer até o momento derradeiro. Despois do cigarro da meditação, o vagalume seguia piscando SOS.
Foi então que decidi - possivelmente Bodhisattva me inspirava no momento - soltá-lo das garras e teias de Dona Aranha sádica, e deixá-lo mais tempo junto aos homens e assim iluminá-los. Limpei a teia de seu corpinho diminuto e dexei-o sob a janela para que recobrasse duas forças. Dona Aranha que me desculpasse, mas não faltam bichos aqui em casa para alimentá-la.
Se já é difícil decidir entre vaga-lumes e aranhas, entre pombos e gaviões imagine ligar histórias míticas que vão da Índia/Japão à Ouro Preto passando por Chicago. Ah, sim! E citar cerveja apenas no título.
Raul
P.S. Sempre é alegre a cada vez que dou com desses texto teu, meu amigo!
Agora faltam as versões do vagalume e da aranha.
Post a Comment