Sunday, March 04, 2012

Aos 75, a 9a



Desça até o ponto de ônibus mais próximo e pergunte o que a palavra sinfonia significa e, mais importante, a que ela remete. Não se trata de um exercício de pedantismo / humilhação, mas tão-somente comprovar lugar-comum tão arraigado: música "clássica", sinfonias são coisas antigas, as últimas devem ter sido compostas no século XIX.


Claro que para tal visão contribuíram imensamente orquestras de todo o planeta, que teimam em focar seu repertório nos séculos XVIII e, claro, XIX. A "música de verdade".


O norte-americano Philp Glass, que neste ano fez 75 anos, chegou há pouco à sua Nona.


Minha história com Glass é longa e, ainda que não o escute e colecione de maneira tão compulsiva como faço com Michael Nyman, é uma história de paixão.


Em 1995, em Chicago, comprei seus quartetos, tocados pelo Quarteto Kronos. Minha ideia era a de que eu levava back home "música contemporânea, difícil", mas eu iria me esforçar, ouvir repetidas vezes, até que eu, um não-músico, pudesse ao menos assimilá-los. Gostar já seria outra história.


A primeira audição do quarteto # 5, que abre o disco, me deixou completa e irreversivelmente chapado. Comentando com alguns alunos, em momento de descontração, disse que, final de semana passado, eu tinha visto Deus, o que causou grande espanto no André, um deles. Mas como assim, viu Deus? Bem, se não for pela revelação, pela epifania, pelo sublime, como definir aquela música?


Já se disse que o Kronos (ou o produtor do disco) foi esperto o suficiente para não dispor os quartetos no CD em ordem cronólogica. Ou seja, deixando os quartetos iniciais, mais estritamente na linguagem minimalista, para o final. Mas mesmo que o segundo ou o terciero abrissem o disco, o meu caso de amor com a música de Glass não teria mudado muito. Aliás, o terceiro (Mishima) me persegue tanto, a ponto de, em dezembro de 1999, visitando o campo de concentração de Terezín, na república Tcheca, só conseguir pensar nele como possível trilha-sonora para o que então via.


Philip Glass chega à Nona, e existe a maldição da Nona, mais ou menos como a maldição do 27 no rock. A Nona vitimou Beethoven, Schubert, Bruckner, Dvorák, Schnittke e Mahler que, ciente dessa história, fez de tudo para enganá-la compondo uma Canção da Terra. Depois completou a Nona e deixou a Décima incompleta. Ou seja, para todos os efeitos, a sua última sinfonia completa foi mesmo a Nona.


Mas Glass não vai parar por aí e superstição é para os tolos. O vegetariano que acorda cedo e trabalha muito e faz as suas próprias pizzas já está com a décima a caminho.


Naturalmente não conheço toda a sua obra. Mas, do que tenho, ouço e conheço, minhas favoritas:


Um quarteto? O quinto

Uma sinfonia? A segunda

Uma ópera? The Juniper Tree

Uma trilha-sonora? Aqui tenho que trapacear, pois me é impossível decidir entre Koyaanisqatsi, Mishima e As Horas.

2 comments:

Marta Rodrigues said...

BElo texto. Amo as trilhas de Glass e os filmes citados. Mishima e AS Horas... fiquei com lágrima nos olhos ao lembrar dos filme e ao vir à memória auditiva o som mágico de Glass. Valeu, Ev.

Anonymous said...

Adoro vir aqui...sempre vou embora com alguma informação preciosa. Obrigada!