Wednesday, November 07, 2018

Um Nilton Bravo em Antônio Callado


Começa muito, muito bem Bar Don Juan, romance de 1971 de Antônio Callado. Em pleno anos-chumbo pós-AI-5 tem que ter culhão para iniciar uma obra com dois personagens, os lindos João e Laurinha, relembrando em seu apartamento em Santa Teresa a tortura e o estupro que esta sofrera nas mãos de um torturador de nome Salvador.

João vai em seu encalço na Polícia Central na Rua da Relação. De tocaia no Bar Atlas, botequim na Rua dos Inválidos aonde os policias iam tomar café, o que João encontra?

"E muitos comiam ali também, na base do ovo duro e do sanduíche de pernil com uma cerveja, sentados nas cadeiras azuis do bar, de armação metálica. Tomando seu primeiro cafezinho no Atlas, João não viu ninguém que pudesse ser Salvador. Voltou na manhã do dia seguinte, para uma média com pão torrado, e deixou-se ficar um tempo à mesa (...) Voltou à mesa e, como quem faz cálculos de cabeça, deixou vagar os olhos pelo mural do botequim, um grande lago enluarado, bordado de salgueiros, com um misterioso castelo à direita e dois cisnes se beijando entre nenúfares"

João encontra um Nilton Bravo, no qual descansa atormentados olhos.

Callado é fiel -- e isso nem é mérito ou demérito -- ao Rio factual do final dos 60. Provável que o Atlas tenha de fato existido. Não deixou traços, não consta do inventário de João Antônio (aqui) e muito menos (*sigh) constará do meu (aqui). Permanece, no entanto, eterno. Intacto, suspenso no ar.


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