Monday, September 12, 2016

Direto de um momento ainda entreaberto : Wislawa Szymborska

Salgado


Hoje fiz coisa incômoda: voltei à casa velha. Procurei por dois livros em vão, mas encontrei outros, sendo um ao menos do mesmo autor, o Teaching with Fire : Poetry that sustains the courage to teach, do Palmer. Eu procurava o The Courage to Teach.

Sempre menosprezei um pouco este livro que parece ter vindo na cola daquele que eu procurava, sempre me pareceu coisa meio caça-níqueis, um odds & sodds. No ônibus, entretanto, pus-me a folhear e encontrei não um, mas dois poemas da Wislawa Szymborska, polonesa de quem já falei aqui e aqui.

A tradução veio de um jorro, no 703 ainda.

DIRETO DE UM MOMENTO AINDA ENTREABERTO

Poderia ter acontecido.
Tinha que acontecer.
Aconteceu mais cedo. Mais tarde.
Mais próximo. Mais longe.
Não aconteceu contigo.

Sobreviveste porque foste o primeiro.
Sobreviveste porque foste o último.
Porque estavas sozinho. Por causa das pessoas.
Porque viraste à esquerda. Porque viraste à direita.
Porque a chuva caiu. Porque uma sombra caiu.
Porque o sol prevaleceu.

Felizmente havia um bosque.
Felizmente não havia árvores.
Felizmente havia um trilho, um gancho, um raio, um freio,
uma moldura, uma curva, um milímetro, um segundo.
Felizmente uma palha flutuava na superfície.

Graças a, por causa, e no entanto, apesar de.
O que teria acontecido não fosse uma mão, um pé
por um passo, por um triz
por pura coincidência.

Então, estás aqui? Direto de um momento ainda entreaberto?
A rede tinha um furo, passaste por ele?
Meu assombro não tem fim, meu silêncio.
Escuta
como teu coração palpita ligeiro em mim.

THERE BUT FOR GRACE

It could have happened.
It had to happen.
It happened sooner. Later.
Nearer. Farther.
It happened not to you.

You survived because you were the first.
You survived because you were the last.
Because you were alone. Because of people.
Because you turned left. Because you turned right.
Because rain fell. Because a shadow fell.
Because sunny weather prevailed.

Luckily there was a wood.
Luckily there were no trees.
Luckily there was a rail, a hook, a beam, a brake,
a frame, a bend, a millimeter, a second.
Luckily a straw was floating on the surface.

Thanks to, because, and yet, in spite of.
What would have happened had not a hand, a foot,
by a step, a hairsbreath
by sheer coincidence.

So, you’re here? Straight from a moment still ajar?
The net had one eyehole, and you got through it?
There’s no end to my wonder, my silence.
Listen
how fast your heart beats in me.

No comments: