Monday, October 27, 2014

O Grande Hotel Budapeste e seu Mac Guffin



Quem assistiu a Grande Hotel Budapeste não se esquece da tela "Menino com Maçã", de Johannes van Hoytl.

Já ouviram falar do grande pintor van Hoytl? Espero que não, ele não existe. Para confundir, a tela aparece em meio a outras realmente existentes: maravilhosos Klimt e Egon Schiele. É deste último a tela que ocupa o lugar do "Menino com Maçã", quando esta é roubada.

Mas isso é o de menos. O legal é notar que a disputa pela tela é autêntico "Mac Guffin", de vez que motiva a ação dos personagens sem ser de fato relevante para a narrativa.

Isso me trouxe à mente outro bom exemplo desse artifício, em romance com que trabalhei em minha tese: em Um Estranho em Goa, do Agualusa, aquela busca do narrador pelo coração de São Francisco Xavier. Eu não conhecia este termo -- Mac Guffin, McGuffin, maguffin -- quando escrevi o trabalho. Mas é disto que falo no parágrafo abaixo.




É a própria motivação para a viagem, desencadeadora do enredo, que já pretende colocar o leitor dentro do campo ficcional. O narrador não viaja em busca de um homem, o que poderia configurar um relato de viagem, mas em busca de um personagem, o que já configura a ficção. Com efeito, há no romance dois fios condutores: a procura de Plácido e, depois, já em Goa, a tentativa de aquisição de uma relíquia – o coração de São Francisco Xavier. No bojo desta tentativa, ocorre o assassinato de Jimmy Ferreira, dono de bar e traficante (de drogas, de mulheres, de relíquias), que iria obter o coração do santo para o narrador. Estes dois fios se entrelaçam, de vez que há uma relação, jamais esclarecida totalmente, entre Plácido e a relíquia. No entanto, esses fios narrativos, com ganchos por vezes policialescos, parecem ser o que menos importa na obra. Relativamente pobre em diegese, o romance revela-se palco privilegiado de discussões de questões identitárias.

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