Em seu Manifesto Surrealista, André Breton cita Valéry, que se justificava não ser romancista por não conseguir (na verdade, não querer, se recusar a) escrever a frase "A marquesa saiu às cinco horas".
Valéry quis dar o exemplo de uma frase referencial, prosaica, que, para ele, não cabia na poesia. Eu o compreendo. Mas a contextualização, século XIX, é necessária.
Pra sacanear, Claude Mauriac batizou um de seus romances... La marquise sortit à cinq heures.
É claro que romances podem ser absurdamente poéticos, aliás, encontro mais poesia em Lavoura Arcaica e em Eu Receberia as Piores Notícias dos Seus Lindos Lábios do que em muita poesia por aí.
E é claro que a poesia pode ser prosaica.
Quem não consegue dizer que a Marquesa saiu ás cinco horas é o David Lynch. Me veio isso à cabeça depois de assistir ao seu "Wild at Heart" (1990) , filme que se alinha a Blue Velvet e Mulholland Drive e não a The Elephant Man ou The Straight Story.
Não há uma única tomada que nos mostre a marquesa saindo às cinco da tarde ou que nos fale da sua saída. Filme visceralmente poético, mas de uma poesia, cuidado, do submundo, do kitsch, do falso, da paródia de si mesma, da corrupçaõ estética. Ele coloca o pinguim em cima da geladeira, mas não é este pinguim. Negada esta intencionalidade, a última cena, por exemplo, torna-se tola. Diretor e público são cúmplices na trapaça. De fato, não pode jamais existir corrupção sem corruptor e corrompido.
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