A pintura que provavelmente mais me marcou em minha visita ao Museu Mucha no último dia do milênio passado destoa da maioria das demais obras do museu, tão recheado de belos pôsteres art nouveau. Trata-se de Woman in the Wilderness (1923), dentro do espírito eslavo tão caro ao pintor.
Lembrei-me desta narrativa (sim, o quadro é uma narrativa, e com diferentes possibilidades de interpretação, vide a estrela no céu como sinal de esperança), ao ler ontem o excepcional capítulo "Não leve seu pensamento para onde é proibido", em Sempre a mesma neve e sempre o mesmo tio, de Herta Müller.
Talvez eu estivesse com sete anos, indo de fiacre com os avós até um outro vilarejo para visitar o irmão de vovô. Eram os primeiros dias mais quentes, a neve tinha desaparecido. Mas, no meio do caminho, começou a nevar forte. Nós nos enrolamos em cobertores e vovó abriu o guarda-chuva. Passamos pelos bosques das acácias, o fiacre atolou na terra mole. Descemos, puxamos e empurramos, ajudamos o cavalo. Ouvimos um choro bem perto no bosque, vimos a alcateia, oito lobos. E eles vinham em nossa direção, aproximavam-se cada vez mais; bem perto, eles diminuíram o passo. Tomaram posição de ataque. Vovô me ergueu no banco do fiacre e vovó catou o gaurda-chuva preto. Ela o abriu e começou a cantar:
Vam'bora, Kathreinerle, coloque o sapatinho!
Nada de folgança, amarre o aventalzinho!
Didl, dudl, dadl, chrum, chrum, chrum,
E um salto de alegria, tchibum:
Vam'bora, Kathreinerle, cadê o sorrisinho?
Ela cantava a canção de maneira áspera, com as sílabas bem marcadas, segurava o guarda-chuva diante de si, estocava a cada sílaba, aproximava-se dos lobos com pequenos passos, no ritmo da canção. Eu via a respiração gelada sobre suas narinas de cera e o interior de seus focinhos, lilás opaco como magnólias fumegantes. A precisão de seus olhos e suas patas em semicírculos. E, no anoitecer, os galhos nus das árvores. No conjunto, isso me parecia o fim da vida. Puxei o cobertor sobre a cabeça e pensei na vovó da Chapeuzinho Vermelho, que foi devorada por um lobo. E aqui havia oito lobos. Eu tinha aprendido que a Terra não para de se mover. Torcia para que ela movesse os lobos para longe de nós. Vovó repetiu sua canção de Kathreinerle outra e mais outra vez. Depois, percebi que ela estava ao meu lado no banco. A Terra realmente tinha movido os lobos para longe de nós, eles partiram. Eram musicais, ficaram um bom tempo ouvindo. Será que não queriam devorar presas cantantes?
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