Estampar no álbum as letras das canções é prova quase inequívoca de autoconfiança do artista. Os Beatles só foram fazer isso em 1967, com o Sargent Peppers. Concordo que não havia muito o que ser estampado em Please please me ou With the Beatles, mas já desde o For Sale ("Although I laugh and I act like a clown / Beneath this mask I am wearing a frown"), Rubber Soul ("Doesn't have a point of view / Knows not where he's going to / Isn't he a bit like you and me?") e Revolver (todas?), isso já poderia ter sido feito. Mas por que, então, só em 67?
Quem quiser descobrir deve assistir ao espanhol Vivir es Fácil (Con los Ojos Cerrados), de David Trueba, com o ótimo Javier Cámara. A história, claro, do professor de inglês solteirão de meia-idade que quer conhecer o John Lennon quando este está filmando How I won the war em Almería em 1966, com o pretexto de pedir-lhe que preencha as lacunas de algumas músicas que ele toca para os alunos (ufa!, que período longo!) é tão fantasiosa quanto improvável quanto bonita daquelas.
O pano de fundo é a Espanha franquista, estagnada, amedrontada, sem futuro. A violência do sistema transborda para as relações cotidianas -- o pai policial que estapeia o filho adolescente na mesa do almoço, o padre que espanca um pequeno estudante (Igreja e franquismo se beijavam na boca), o valentão da cidadezinha sem polícia -- e é por isso que o professor Antonio quer ao menos ensinar seus alunos a gritar. HEEEEELLP!
Se o professor de inglês consegue encontrar-se com John? Não conto. Conto que, para além dele, temos ainda o menino que parece um beatle mas prefere os Stones e Kinks (o que quase lhe custou a carona), e a menina, grávida, perdida. She's leaving home. Or looking for one. E, claro, entre a menina e o menino, sob a tutela de um professor sonhador que vai comer morangos naquela terra seca da Andaluzía, pode acontecer alguma coisa. E temos ainda o dono da taberna catalão, em época em que torcer pelo Barcelona era já fincar posição anti-franquista. E temos Bruno, seu filho.
Para um filme despretensioso, tem-se um bocado. E, ao contrário do que seria lícito supor, temos pouca música. Mas temos aquela que levam como tesouro no pequeno gravador.
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