Ao publicar poema em que faço alusão a um outro de Wisława Szymborska (repita comigo: Vissuava Chemborska), Giana reclama que não se faz isso a um leitor: falar no poema de raspão e não transcrevê-lo.
Aliás, no poema sequer menciono o nome da poeta (repita comigo: Vislava Zimborska), que aquilo era poesia, não tinha obrigação para com nada a não ser para consigo mesma (lembrando, com Wallace Stevens, que a poesia é o assunto do poema).
Mas tá, Giana, acedo. Que nunca será demais.
GATO NUM APARTAMENTO VAZIO
Morrer – isso não se faz a um gato.
Pois o que há de fazer um gato
num apartamento vazio.
Trepar pelas paredes.
Esfregar-se nos móveis.
Nada aqui parece mudado
e no entanto algo mudou.
Nada parece meido
e no entanto está diferente.
E à noite a lâmpada já não se acende.
Ouvem-se passos na escada
mas não são aqueles.
A mão que põe o peixe no pratinho
também já não é a mesma.
Algo aqui não começa
na hora costumeira.
Algo não acontece
como deve.
Alguém esteve aqui e esteve,
e de repent desapareceu
e teima em não aparecer.
Cada armário foi vasculhado.
As prateleiras percorridas.
Explorações sob o tapete nada mostraram.
Até uma regra foi quebrada
e os papéis remexidos.
Que mais se pode fazer.
Dormir e esperar.
Espera só ele voltar,
espera ele aparecer.
Vai aprender
que isso não se faz a um gato.
Para junto dele
como quem não quer nada
devagarinho,
sobre patas muito ofendidas.
E nada de pular miar no princípio.
(Tradução de Regina Przybycien).
Este post, obviamente, dedico-o à Giana.
Mas serve também para a Irene, que quer conhecer o Oriente da Europa.
E para a menina com quem aprenderei a pronunciar o L diacrítico do alfabeto polonês: Ł, tão bonitinho!
1 comment:
Isso só podia ser bom, uma vez que mereceu a sua citação.
Amei Vissuava Chemborska!
A gente até substitui os bichos mesmo, mas nunca mais haverá os mesmos movimentos, e como essa diferença, como ela me fez descobrir isso!
Até com gente também é assim...
Adorei. Muito obrigada!
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