Wednesday, January 02, 2013

Felipa



De todos os muitos comportamentos infantis de Felipa, o que mais me irritava era o de querer forçosamente usar palavras recém-aprendidas. Aqui me lembro de quando fomos a Porto Alegre, nossa primeira viagem grande, e ficamos na casa da minha Tia Glória.

Naquela tarde a Tia se popusera a fazer um bolo com a bela Felipa. Como Felipa insistia em abrir o forno, ela teve que advertir que não fizesse mais isso ou o bolo iria desandar. "Desandar, como assim?" E a tia explicou. Pronto.

Naquela noite, quando estávamos transando, Felipa subitamente parou de cavalgar e disse: "Acho que nossa relação desandou". Puta que pariu. Que ódio. Tudo tão ridiculamente ensaiado na cabecinha dela. Ela achava mesmo que estava num filme de Godard?

Tive que ir para o banheiro. Não conseguiria na frente dela. Tem homem, tem mulher que faz para dar raiva, eu não conseguiria tamanha a raiva.

Raiva dela e da Tia Glória.

Glória começou naquele mesmo janeiro um câncer que iria devorá-la por nove anos.

O nosso começara um pouco antes e sobreviveria à tia.

1 comment:

Psicodelicatessen said...

Desandei há tempos!