Wednesday, May 18, 2016

Morro da Babilônia da Poesia




São duas as favelas
Mas o morro é um só


O Morro da Babilônia, talvez por chamar-se como se chama, está bem representado na literatura brasileira: menção nada desprezível em Bandeira, central em Drummond e em Elizabeth Bishop.

Está presente em poema de Bandeira como local de moradia de João Gostoso (escrevi recente aqui).

Em Drummond, poema antigo de Sentimento do Mundo (1940), ouvem-se as vozes "que criam o terror". Em uma época anterior a CV, TC, ADA, no entanto, as vozes "não são propriamente lúgubres". Drummond nunca é ingênuo. Mas em época de Estado Novo era bom olhar pra cima e suspirar por liberdades e inocências perdidas. (A melhor caracterização do morro / favela nessa clave estará ainda em "Chão de Estrelas": "Meu barracão no morro do Salgueiro / Tinha o cantar alegre de um viveiro" (...) "Nossas roupas comuns dependuradas / Na corda, qual bandeiras agitadas / Pareciam um estranho festival / Festa dos nossos trapos coloridos".)



À noite, do morro
descem vozes que criam o terror
(terror urbano, cinquenta por cento de cinema,
e o resto que veio de Luanda ou se perdeu na língua
geral).

Quando houve revolução, os soldados se
Espalharam no morro,
O quartel pegou fogo, eles não voltaram.
Alguns, chumbados, morreram.
O morro ficou mais encantado.

Mas as vozes do morro
Não são propriamente lúgubres.
Há mesmo um cavaquinho bem afinado
que domina os ruídos da pedra e da folhagem
e desce até nós, modesto e recreativo,
como uma gentileza do morro.

O poema de Elizabeth Bishop é o mais longo: 47 quartetos que narram os últimos dias de Micuçú, bandido foragido que procura refúgio na Babilônia, onde a tia tinha birosca. Poema muito bem traduzido por Paulo Henriques Britto, que manteve os heptassílabos com rimas nos pares. Em alguns casos, Britto nada fez senão usar o topônimo original de vez que a poeta norte-americana é quem, para o bem ou para o mal, vertera os nomes para o inglês. Tudo que é morro virou hill. Morro do Pasmado é Hill of Astonishment. Se por um lado nos faz lembrar as traduções jocosas de bairros que circulam por aí (Botafogo = Put Fire; Jacarepaguá = Alligatorguá; Abolição = Set the black people free), o resultado final é verdadeiramente bom.

Reproduzo apenas as cinco primeiras estrofes:

On the fair green hills of Rio
There grows a fearful stain:
The poor who come to Rio
And can't go home again.

On the hills a million people,
A million sparrows, nest,
Like a confused migration
That's had to light and rest,

Building its nests, or houses,
Out of nothing at all, or air.
You'd think a breath would end them,
They perch so lightly there.

But they cling and spread like lichen,
And people come and come.
There's one hill called the Chicken,
And one called Catacomb;

There's the hill of Kerosene,
And the hill of Skeleton,
The hill of Astonishment,
And the hill of Babylon.



Nos morros verdes do Rio
Há uma mancha a se espalhar:
São os pobres que vêm pro Rio
E não têm como voltar.


São milhares, são milhões,
São aves de arribação,
Que constroem ninhos frágeis
De madeira e papelão.


Parecem tão leves que um sopro
Os faria desabar
Porém grudam feito líquens
Sempre a se multiplicar,


Pois cada vez vem mais gente.
Tem o morro da Macumba,
Tem o morro da Galinha,
E o morro da Catacumba;


Tem o morro do Querosene,
O Esqueleto, o do Noronha,
Tem o morro do Pasmado
E o morro da Babilônia.

No comments: