Tuesday, October 15, 2013

Relato de um certo orientador



Abaixo um dos apêndices de minha tese, defendida em 2008, em que homenageio meu professor-orientador que não chegou a ver o trabalho pronto.

O título tem por intertexto o romance chato do Miltom Hatoum, Relato de um certo Oriente.




RELATO DE UM CERTO ORIENTADOR

            Faz dezesseis anos, mas a lembrança é indelével. Aluno novo da graduação na PUC, eu nunca assistira a uma defesa de tese ou dissertação antes e entrei na sala apenas porque dois colegas me convidaram. Desta manhã guardo o nervosismo do estudante que então defendia sua dissertação (que bom, egoisticamente pensei: outros ficam nervosos) e um professor da Banca, muito sério, que colocou as questões de uma maneira tão clara, tão ponderada, tão arguta, mas também tão terna, que fiquei imediatamente cativado. Dois dias depois, na aula de Latim, ao levantar algumas questões acerca da tradução que fazíamos, peguei-me tentando falar exatamente como aquele professor que me impressionara tão positivamente.
            Passado um tempo, quanto não lembro, cruzei com este professor nos corredores da UFF. Sequer recordo com exatidão o que eu fazia por lá. Porém, contrariando minha introversão, apresentei-me e contei-lhe como eu ficara positivamente impressionado com suas colocações durante aquela defesa. Mais um tempo, e novo reencontro fortuito: ele que me diz agora que meu elogio lhe agradara muito e me agradecia por isso. Mas como, pensei? Como um professor desses não é elogiado todo dia, várias vezes? Por que temos tanta facilidade para falar mal e tanta dificuldade, ou má vontade, para falar bem? Mais tempo passou, terminei minha graduação e meu mestrado na PUC. Fui trabalhar, anos correram, até que resolvi fazer meu Doutorado. Então pensei: Doutorado só com José Carlos Barcellos.
            Sou então muito grato a essa chance que tive, aos anos em que pude conviver com sua inteligência, sua paciência e tolerância. Quis o destino que ele partisse, dolorosa e prematuramente, privando-nos de sua presença. Sobrevive em nossa lembrança, em nossos corações, em nossas práticas, na música dos decassílabos de Camões.
           


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