Thursday, July 28, 2022

Com Sylvia pelas ruas geladas de Londres

 

 

Os dezoito minutos finais de Sylvia (2003) são dolorosos. Bonitos, dolorosos. Na sequência de cenas doídas (suas conversas com o vizinho, o abandono frio e definitivo de Ted, suas alucinações no corredor, a preparação para a morte), há aquela em que ela caminha pelas ruas geladas de Londres. Ninguém pode fazer-lhe companhia, trocar palavras ou silêncios. Ela caminha com olhos insistentes e desesperançados, fixa o vazio que em breve irá abraçar. A música de Gabriel Yared é a trilha perfeita e quando, há muitos anos, pedi que meus alunos atendessem à notação de Tennessee Williams de que a música para sua The Glass Menagerie fosse 'perhaps the saddest music', foi esta que eu trouxe

Foi assim, foi exatamente assim, que caminhei com o Dante em Petrópolis, na véspera do meu aniversário deste ano

Nós saímos de um restaurante, onde ele estivera muito, muito mal. Meltdown, TAG, expressos em seu obsedante bater de cabeça, nas costas da cadeira, na mesa, na parede. Foi assim por todo o final de semana, dos piores. Nós saímos do restaurante, eu frustrado, exausto, impotente. Caminhamos numa estrada em que não havia calçada, caminhamos contra os carros. Por um momento pensei que se um daqueles carros nos colhesse, ao menos seria o fim de tudo. Eu pensei isso

Logo em seguida a esta cena de que falei, Sylvia entra numa cabine telefônica e procura algum contato, uma ajuda. Mas a pessoa não pode se encontrar com ela. Em seguida ela liga para seu médico, a quem diz "I can't manage". Caramba. Foi exatamente o que eu disse quando por esses dias me perguntavam, alguns realmente interessados, outros apenas faticamente, 'Não estou dando conta, não'. A reação que recebi ao meu desabafo desesperado foi, também aqui, a mesma em alguns casos: a indiferença

E ai de quem, e ai de mim, reclamar dessa indiferença. Se transforma em raiva.




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