Assim como o incomparável Longe da Árvore (aqui), também foi meu pai quem cantou a pedra desta outra obra sobre autismo. Mais do que cantar a pedra, o pai recorta a matéria e me entrega, desta vez em mãos, pois eu estava em Brasília para ajudar-lhe com o desmanche de sua grande biblioteca (*sigh).
Sempre que estou longe do Dante, incluindo quando ele está com a mãe (o que felizmente só ocorre uma vez a cada quinze dias), evito pensar nele. Evito pensar nele para não chorar. Chorar por quê? Não sei direito, sei que é saudade.Como eu ficaria em Brasília três luas, pus o recorte de lado e só fui lê-lo devidamente aboletado na poltrona do avião de volta.
A resenha da Folha trazia longo trecho do livro, que me perturbou profundamente e ao chegar em casa, depois de passear com o Dante, comprei o livro. Chegou rápido e li praticamente em duas sentadas.
Já escrevi por aqui sobre o hábito de sublinhar passagens (herdado do avô do Dante). Pois. O livro de Luiz Fernando Vianna, Meu Menino Vadio -- Histórias de um Garoto Autista e seu Pai Estranho, ficou tão sublinhado e marcado com setas e colchetes e anotações laterais como pontos de exclamação e interrogação, que talvez o que acabe chamando mais atenção sejam as partes não marcadas... Enfim, modo de dizer que fiquei muito impactado, estatelado talvez seja mais apropriado, com tanta identificação. Por óbvio, podem pensar: é um pai com um filho autista (ia escrever 'com autismo', Luiz prefere 'autista' e explica muito bem sua escolha. Ainda que eu vá continuar usando 'com autismo', ao menos nesta postagem, sigo-o), mas claro que não é só isso. É um pai estranho, que se reconhece um pouco autista também. Identificação total. E que viveu episódio cinematográfico quando a mãe de seu filho Henrique literalmente fugiu com ele para a Austrália sem lhe dar satisfações. A mãe do Dante não fez isso. E nem faria porque não quer ficar com ele. Mas já fez semelhantes ações de absoluto egoísmo e irresponsabilidade.
Quando chega a parte em que descubro que Luiz Fernando Vianna e Henrique moram também no Grajaú, bem, aí já nem sei o que pensar.
Ao terminar o livro, bem escrito e maravilhosamente sincero e corajoso, para além de informativo, procuro pelo autor. Encontro fácil. O mundo é um ovo, o Grajaú é um ovo de codorna. Num domingo de manhã sentamos rapidamente no Bar do Mariano e falamos como se nos conhecêssemos há anos e estivéssemos apenas retomando uma conversa deixada suspensa quando o ônibus chegou.
"Criar alguém que tem sérias dificuldades para se adaptar à vida
social significa estar em permanente pêndulo: ora querendo confrontar a
sociedade que aceita mal seu filho e, por tabela, renega você, ora
desejando, até por necessidade de sobrevivência, ser aceito pelos mesmos
que não acolhem bem a pessoa que você mais ama."
"O autismo de
Henrique me deu uma ferramenta de socialização: deu um assunto e uma
persona sob os quais posso ocultar a timidez e a mediocridade."
1 comment:
Sincronicidade! Estive com esse livro na mão, hoje, na Cultura. Também me lembrei do Longe da Árvore (que tenho). E, claro, lembrei do Dante e de você.
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