Conhecer a poesia do poeta português João Ricardo Lopes (n. 1977) foi das coisas boas do ano passado. Aliás, conhecer a poesia sua e a de outros portugueses contemporâneos foi um dos grandes estímulos para este blog no segundo semestre de 2012.
Só por me fazer escrever mais por aqui já me é motivo de gratidão.
Poesia de dicção refinada e sóbria, mas que sabe ser terna.
Seleciono dois poemas -- "Nota de Rodapé" e "Alquimicamente", ambos do livro Reflexões à Boca de Cena, que ele me enviou.
Do primeiro, eu já roubara um verso para meu poema "Sapos", de maio do ano passado e que pode ser lido aqui.
NOTA DE RODAPÉ
lâmpada baça por onde vem o silêncio
segregado e resfolegam os olhos.
faço-o de novo até muito tarde
e tu reclamas-me docemente, por entre
capítulos obscuros de papel pardo
e destroços de carvão.
às vezes distrai-me a asa de um queixume
o teu corpo sai a terreiro, como que a
defender o quinhão de lume que lhe pertence.
é tarde e tu respiras convulsionando
as minhas palavras, adormecida.
não cheguei a dizer-to, nunca chego
a dizê-lo. o amor é sempre tão de repente
ALQUIMICAMENTE
também eu possuo uma retorta enganadora.
transformar em ouro o teu coração de pedra
nunca foi fácil e o fracasso sacode-me o sono em
estremeções desalmados. sou eu quem te
chama e há um caminho de árvores entre nós.
é longínqua e ris de cada vez que me explode
a decepção e eu juro acabar assim, esfarrapado
e vencido e sem ti. mas o poema renasce e eu
renasço devagar. um coração de ouro é coisa de
que não se desiste. nem até à loucura, nem até ela
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