Monday, March 15, 2021

Como ela deve ter sido linda quando jovem!

                                                              Dona Tatá, Milho Verde

HÁ UM TRECHO muito bonito nas memórias de Nikos Kazantzakis quando ele lembra estar numa aldeia na Calábria sob forte chuva e sem quem o acolhesse. Lembra-se de seu avô cretense, que iria acolher qualquer desconhecido em situação semelhante e conclui que nas aldeias calabresas não havia avôs assim. Bem.

Bem, uma senhora o acolhe, com um lar, um fogo para secar suas roupas, um feijão delicioso, um banco para seu sono e, na manhã seguinte, leite quente. Não trocam palavras, exceto quando ele pega a carteira e ela recusa, agradecendo, "Desde que meu marido morreu, nunca dormi tão bem"

Acho tudo isso bonito, mas me chamou a atenção o trecho em que ele a examina, já de manhã, e conclui "Como ela deve ter sido linda quando jovem!", maldizendo o destino humano e sua inevitável deterioração.

Me lembrei foi de Carrière, Jean-Claude Carrière, roteirista de Buñuel e que escreveu um dos livros mais bonitos sobre a Índia: Índia : Um Olhar Amoroso. No verbete 'Mulheres' :

Uma forma de expressão nunca deixa de surpreender : os indianos, homens e mulheres, falam naturalmente da beleza das mulheres idosas. Podemos dizer que uma jovem é bonita, atraente, pretty, nice-looking. Raramente dizemos que ela é bela. A beleza só chega com a idade, com o cumprimento de uma vida. A beleza é uma qualidade que é merecida e adquirida. Não cai do céu nem é fundamentalmente perecível, como entre nós. 

Isso torna menos difícil a tarefa de envelhecer?

Em 1982 Jean-Claude Carrière e Peter Brook foram convidados a conhecer, em um centro de danças de Madras, a conhecida dançarina e coreógrafa Rukmini Devi. Enquanto a esperavam, Carrière perguntou a alguém como ela era. A resposta foi:

-- She's very beautiful.

Ela tinha então 81 anos.

Quando Rukmini Devi enfim apareceu, Jean quedou-se impressionado com sua beleza:

Vestida com uma roupa de algodão claro, com os longos cabelos brancos até a cintura, os olhos negros, ela não fazia nada para esconder sua idade. Não usava nenhuma maquiagem e ao andar se apoiava em uma bengala. Mas era como uma luz penetrando no lugar onde estávamos.
 
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A visão que faltou ao Kazantzakis.
 
Quanto ao Carrière, morreu há pouco mais de um mês. Com certeza passeia pela eternidade ao lado de Ganesha, o que era seu sonho.

1 comment:

R. said...

É isso mesmo.