Coisa típica da mãe: uma vez ela ia jogar fora um relógio de cozinha, cafona azul em forma de frigideira, mas quando o colocou no lixo e ficou ouvindo o tique-taque, achou talvez que era como enterrar alguém vivo ou, mais brandamente, cometer eutanásia, coisa que jamais faria, daí retirou o velhinho azul (cafona) e o pendurou de volta (em forma de frigideira), onde bate até hoje neste mundo de aparências.
Lembrei delas -- da história e da mãe -- por ocasião de nossa mudança recente, que me causava imensa preguiça, porém não maior que o pesar ante a perda do grafite que o Ment fizera para o Dante em seu quarto (aqui). Que tristeza! Nem um ano!
Passei mensagem para o Ment, que imediatamente respondeu: "Nem preciso dizer que faremos outra pintura, mais legal que a atual", o que de uma vez derrubou desânimo, tristeza, preguiça.
Marcelo Ment, que vive exclusivamente do seu trabalho como artista, é felizmente um cara muito ocupado. E tem muita palavra. Preparamos a parede (mais bonita em sua cor bolo de cenoura), enviei-lhe as fotos para sua escolha, que recaiu numa deste ano tirada no Bob's da Praça XV, onde paramos para comer um sundae depois do passeio de 606 e VLT.
Dante vestia uma camisa laranja, de modo que tudo começou a dar certo: ele pensou em abrir a camisa, imiscuí-la à parede, infinita.
O resultado se vê nas fotos.
Com as latas na mão, Ment é como Chet Baker com o trompete, como um desses adolescentes americanos doidos por basquete e sua bola: não larga. Eu já achando a parada absurdamente linda e ele inquieto, mãos nervosas, acertando aqui, ajeitando ali, eu me remexendo de nervoso. Até hoje diz que vê as fotos e quer voltar para uns acertos. (Pode voltar, mas será para uma cerveja.)
Disse a ele que desta vez não queria me mudar tão cedo, para ficar tempo com este grafite lindo. Pampi, sem me ouvir, logo em seguida lhe disse que já não acharia mal nova mudança. Para ganhar outro grafite lindo. Nosso jeito de concordar nas coisas.
E o mais legal foi que desta vez o Dante curtiu muito, quis ficar perto, pediu que Marcelo lhe desse banho, que só pede para quem ele gosta e confia muito.
De qualquer modo, se numa dessas madrugadas cheias de sabiás e cigarras eu me encher de coragem e me mudar, sempre com eles, claro, para Milho Verde, esta parede ficará eterna, intacta suspensa no ar neste mundo de aparências. Como o beco do Manuel. E o relógio cafona da vovó do Dante.
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