Tijuca |
Vim de uma família moderadamente racista, que se não empunhava estandartes da KKK (que mal saberia o que é) fazia coisas como a que vou contar.
Como já sei o que vou contar, melhor tirar o advérbio de modo: Vim de uma família racista. A pequena-burguesia tijucana clássica, embora tenham vindo de Copacabana (antes de se instalar "nas montanhas") e isso talvez só piore.
Odiavam Carlos Lacerda e os militares, amavam Getúlio, idolatravam Brizola. E racistas.
Atravessei os anos do Ensino Médio sem namorada, não por falta de vontades e simpatias que eu inventava. Ao entrar na UERJ para cursar Psicologia em 1986, aquele desbunde em várias frentes. Dentre eles, Beth, com quem comecei a namorar. Beth, mulata.
Levei-a para um almoço de domingo na casa da minha avó, onde almoçamos -- eu, ela, minha vó e minha tia -- macarrão com galinha. Um dos momentos mais constrangedores que já vivi. O silêncio absoluto só quebrado pelo tilintar dos talheres. Beth de cabeça baixa, querendo apenas que o chão se abrisse e a sugasse para bem longe dali. Minha tia de cabeça erguida. Silenciosa e erguida. Minha avó não lembro, mas silenciosa também, embora um sorriso amarelo aqui e ali.
Não me lembro bem de como me senti durante o macarrão com galinha -- isso são lembranças guardadas que foram se organizando com o tempo. Em geral é assim, né?
Com o tempo percebo, a cada dia, o absurdo de toda a situação. E a crueldade. Porque poderia ter havido perguntas sobre os estudos, sobre a família, essas bobagens para quebrar gelo. Os von Sydows sempre foram maus conversadores, mas não fizeram esse trivial por deliberada perversidade.
Dias depois tive ainda de ouvir da minha mãe: Mas ela é escurinha, né?, assim, no meio da escadaria do nosso prédio. Muitos degraus. E nenhuma galinha de domingo onde eu pudesse cravar os dentes.
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