Dei à Camila um relógio de sol. Li certa vez num almanaque que aqueles
que presenteavam a amada com relógio de sol faziam-no acompanhar de um
poema. Então escrevi um soneto.
Dizem que Josué, guerreiro intrépido
sucessor de Moisés, filho de Num
parou no céu o sol para matar
a todos inimigos de seu credo
bem outra coisa peço ao te dar
este velho relógio de sol, bronze
patinado pelos dias
Deixa o sol andar lamber os corpos
vagabundos em rede grande branca
com varandas de labirinto deixa
a areia escorrer e que venham cãs
rugas e manias
just as long as you grow old along with me
the best my dear true love is yet to be
PS:: Da série 'explicar estraga' (estraga?) : o soneto toma como mote o dístico "Grow old along with me / The best is yet to be", de resto o dístico mais frequente em relógios de sol mundo afora. Há também intertextualidade com o Josué da Bíblia, que parou o sol no céu, sendo que aqui peço o contrário. Por fim, o trecho em itálico foi tirado de um conto do Guimarães Rosa, um dos mais bonitos e o menos estudado. O conto? "Cara de Bronze". É que o relógio é de bronze, plé. Mas não foi só por isso: é que o Cara de Bronze pedira ao vaqueiro Grivo que corresse os gerais em busca de poesia.
Tem outro lance: escrito em óbvios decassílabos, tem lá uns dois versos que quebram a estrutura. Como que a dizer que escandir as sílabas de um verso é meio que contar o tempo. E o tempo nunca será linear. Principalmente se passado com namorada, em rede branca de varandas de labirinto.
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