Tuesday, March 28, 2017
Um Poema Político
Há uma tia que morre
em completa solidão.
Filhos não teve, sobrinhos
todos três muito ocupados
pra tia que morre só
já não sobra tempo, não.
O mais velho é pedagogo
(vinde a mim as criancinhas)
mas pra tia velha e triste
não lhe sobra compaixão
E a tia morre na tarde
olhos cravados no chão.
A do meio é jornalista
combativa e combatente
incansável comunista
Pra tia que morre de noite
nada, logo ela que é tão
tão guerreira e combativa
Viva a justiça social!
Morte cruel ao patrão!
Amigos do facebook,
Façamos revolução!
O caçula é empresário
vende o que lhe cai na mão
Só não vendeu a sua tia
pois lucro não dava, não.
Quem quer uma pobre velha
Desnudada de ilusão?
Que os dias passa remoendo
a casca do coração?
E que trabalho essa tia
nunca deixa de pedir
remédio roupa feijão
Como pode ser assim,
Alienada sem noção?
E é assim que a tia morre
em completa solidão
Roupas rescendem a mijo
o corpo rescende a mijo
o quarto rescende a mijo
e também a solidão
pegajosa imitigada
mais escura que carvão.
A voz da tia gagueja
Nos olhos névoa leitosa
toma tudo de roldão.
Olhos que mais dia menos
dia enfim se fecharão
E os sobrinhos tão sensíveis
Ao enterro acorrerão
(eles, que não tinham tempo
mal pisam seus pés no chão!)
Sonhando com o testamento
Quase tendo uma ereção
Que a boa tia com certeza
lhes deixara algum quinhão!
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1 comment:
Já vim aqui ler o poema outra vez, Evandro.
É lindo. Tão triste e tão lindo.
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