Tuesday, June 11, 2013

Mutum, o Filme :: Uma Resenha



A prova maior de que não sou e nunca fui cinéfilo está aqui: adaptaram o meu conto preferido em 2007 e só agora me interessei em assistir.

Falo de Mutum, filme de Sandra Kogut adaptado do conto / novela "Campo Geral", primeiro do Corpo de Baile de João Guimarães Rosa.

Aproveitando ser hoje véspera do Dia dos Namorados, aproveitando que meu níver se aproxima, aproveitando que o céu aqui é o que mais perto pode ser de um céu romano: azul e frio :: adorável. Aproveitando isso tudo de bom, para dizer que só mesmo com muita boa vontade posso dizer que o filme é razoável. (Fosse agosto sob céu chuvoso, qual seria minha avaliação?)

Sem entrar naquela discussão tola das adaptações. Aquela história das linguagens diferentes. Não tola por errada, mas por óbvia. Se é para adaptar um autor para as telas, senhores, que o "respeito", que a "fidelidade" resida menos na diegese que no ethos da obra. Impossível? Coppola fez isso soberbamente bem com Apocalypse Now, "adaptação" (aspas imprescindíveis) de O Coração das Trevas, de Conrad. Para ficarmos por aqui, Luiz Fernando Carvalho brilhou com seu Lavoura Arcaica, adaptação do romance homônimo de Raduan Nassar.

O filme de Sandra, na pretensão cool de querer fazer mais com menos, faz menos com menos. A secura das tomadas, o fraco desempenho do elenco, a ausência de trilha-sonora, se pretendiam traduzir a secura do sertão, escorregam de maneira lamentável. O sertão de Rosa não é o de Graciliano Ramos, Rachel de Queirós, José Américo de Almeida. Não o é geograficamente e muito menos na linguagem. O sertão de Guima é barroco, é cornucópico, é exuberante. É a gritaria dos quero-queros nos buritis. É a invencionice desvairada de Miguilim. E não o que se vê aqui.

Falei em Miguilim? POR QUE CARGAS D'ÁGUA O FILME TROCOU OS NOMES DE MIGUILIM E DITO, CHAMANDO-LHES DE THIAGO E FELIPE????? Para mim, o erro mais sórdido. Guima já havia dito que tudo que tinha nome o pegava. Nome, para ele, não era apenas tudo. Era muito mais que isso. Será que Sandra ou alguém da brilhante equipe de pesquisa se deu ao trabalho de consultar Recado do Nome, de Ana Maria Machado?

E como assim : Thiago e Felipe? Então na literatura os nomes não têm importância? Não é aqui Dito o dito, e Miguilim, o não-dito? Não é por isso que Dito morre e Miguilim vive? Porque ele ainda tem muito a dizer? E os insípidos nomes Thiago e Felipe (perdoem-me os amigos do nome, sobretudo o Ponce e o Barroso, que hão-de me compreender) querem dizer o que aqui?

(Ouvir "Felipe está no céu" em vez de "Ditinho está em glória" e "Thiago é piticego", em vez de "Miguilim, você é piticego" é uma afronta que não há céu de junho que amenize)

Se a intenção era "universalizar", então pra que chamar o filme de Mutum? Pra que ir para o norte de Minas filmá-lo? Ficássemos com Thiago e Felipe num play da Tijuca! Pronto! O sertão está em toda a parte!

Só pra terminar: mostrar os meninos tentando ensinar o papagaio a falar o nome do Dito (Felipe é o cacete!), sem depois mostrar que ele só o aprende depois que este morre, para desespero do Miguilim (Thiago é o caralho!) é pior do que contar fofoca pela metade.


Por fim, se o filme foi tão incapaz de traduzir o ethos roseano, colocando uma sucessão de cenas a priviliegiar a diegese, por que no fim não mostrar que Tio Terêz e a Mãe ficam juntos???

Ou seja, não serve nem como novela das 7.

Agora que terminei o texto, não acho o filme razoável, mas sim uma bela porcaria.

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