Ferreira Gullar publicou seu Poema Sujo aos 45. O lançamento foi um ano depois e sem sua presença porque os anos eram ainda os da gloriosa ditadura.
Gilberto Mendonça Teles escreveu o poema "45" também aos 45 depois de receber a visita do também poeta Domingos Carvalho da Silva, um dos ícones da... Geração de 45. Gilberto gostava dessas coisas e eu não menos.
45
Sou da geração
de quarenta e cinco
ou tenho na mão
a porta sem trico?
(Nem sei quantas são
as telhas de zinco
que cobrem meu chão
de quarenta e cinco.)
Semeei meu grão?
fui ao fim do afinco?
pesquei a paixão
de quarenta e cinco?
Tudo é sim e não
em quarenta e cinco.
E a melhor lição
forma sempre um vinco
de interrogação
no tempo, onde brinco
procurando um vão
entre o 4 e o 5.
**¨*¨*¨*¨*¨*¨*¨*¨*¨*¨*¨*¨*¨
Foi esse poema que me fez perguntar-lhe se ele usava dicionário de rima, ao que ele respondeu em sua modéstia habitual: "Uso e sei usar."
O de Gullar não obedece a esquemas de rimas, sendo, para além de sujo, longo. Cito trecho da segunda estrofe e outro mais para o final, em que há alusão à idade.
bela bela
mais que bela
mas como era o nome dela?
Não era Helena nem Vera
nem Nara nem Gabriela
nem Tereza nem Maria
Seu nome seu nome era...
Perdeu-se na carne fria
perdeu na confusão de tanta noite e tanto dia
perdeu-se na profusão das coisas acontecidas
constelações de alfabeto
noites escritas a giz
pastilhas de aniversário
domingos de futebol
enterros corsos comícios
roleta bilhar baralho
mudou de cara e cabelos mudou de olhos e risos mudou de casa
e de tempo: mas está comigo está
perdido comigo
teu nome
em alguma gaveta
()()()()()(
tic tac tic tac
enquanto vou entre automóveis e ônibus
entre vitrinas de roupas
nas livrarias
nos bares
tic tac tic tac
pulsando há 45 anos
esse coração oculto
pulsando no meio da noite, da neve, da chuva
debaixo da capa, do paletó, da camisa
debaixo da pele, da carne,
combatente clandestino aliado da classe operária
meu coração de menino
Bem, aí pra não ficar por baixo resolvi botar as mangas de fora. Segue
45
este soneto é só para lembrar
àquela moça de olhos inefáveis
(eles que são piruetas pelo ar
e cujo canto faz inveja às aves)
só para lembrar-lhe que nesta véspera
já não pesa o peso do aniversário
recito a calma de quem tudo espera ::
em meio a sentimento assim tão vário
em meio a sentimento tão diverso
à falta de palavras faço versos ::
:: o presente que Midas transfigura
a vida plena sem tramela ou trinco
gol da vitória aos 45
navio alumiando a noite escura
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