Não tenho nenhuma edição autógrafa da Cecília, mas esta primeira edição do seu primeiro livro (Editoral Império, uma editora portuguesa, de 1939) é um tesouro. Seu lindo ex-libris ("Como uma cegonha que sonha, que sonha e sonha"), a precisa dedicatória: "A meus amigos portuguêses", que me inspirou "Aos meus amigos goeses" da minha tese.
Cecília diz a que veio. Neste Viagem figuram três de seus poemas fundamentais: "Motivo", "Estirpe" e "Destino",
O primeiro é, creio, o seu mais conhecido. Merecidamente. Cecília pura: simples e exato, asa de borboleta e força.
Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.
O segundo, em versos livres, trata do alheamento do eu-lírico, um dos seus motivos mais caros.
Os mendigos maiores não dizem mais, nem fazem nada.
Sabem que é inútil e exaustivo. Deixam-se estar. Deixam-se estar.
Deixam-se estar ao sol e à chuva, com o mesmo ar de completa coragem,
longe do corpo que fica em qualquer lugar.
(...)
Ah! os mendigos maiores são um povo que se vai convertendo em pedra.
Esse povo é que é o meu.
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Nunca me foi difícil enxergar nessa tribo apátrida os próprios poetas.
"Destino" lança mão de um metro pouquissimamente empregue entre nós: onze sílabas (hendecassílabos ou de arte maior). Só me lembro do Fagundes Varela fazendo isso. Onze sílabas, com o acento caindo na 2a, 5a, 8a e, claro, 11a.
O efeito é espetacular.
Como em "Motivo", também aqui a quebra de metro: depois dos versos tão longos, o dissílabo "Eu, não".
O efeito é espetacular.
Pastora de nuvens, fui posta a serviço
por uma campina tão desamparada
que não principia nem também termina,
e onde nunca é noite e nunca madrugada.
(Pastores da terra, vós tendes sossego,
que olhais para o sol e encontrais direção.
Sabeis quando é tarde, sabeis quando é cedo.
Eu, não.)
(...)
Pastora de nuvens, com a face deserta,
sigo atrás de formas com feitios falsos,
queimando vigílias na planície eterna
que gira debaixo dos meus pés descalços.
(Pastores da terra, tereis um salário,
e andará por bailes vosso coração.
Dormireis um dia como pedras suaves.
Eu, não.)
1 comment:
Uau!
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