Sou suspeito para falar e tenho dificuldades em escolher, pero, tivesse que selecionar trechos da vasta memorialística do Nava, com certeza não deixaria de lado as vertiginosas páginas iniciais de "Engenho Velho", terceiro capítulo de Balão Cativo, seu segundo volume de memórias.
É Nava chegando ao Rio, cidade que amou como ninguém.
"Seguia-se a Escola Doméstica Maria Raithe, sem as escadas da frente que hoje desonram o sobrado outrora tão genuíno e cuja capela se ganhava subindo a vasta varanda lateral que as freiras suprimiram. Minhas tias frequentavam sua missa dominical e eu com elas. Até foi nessa capela, que distraído, em dominga qualquer duma quaresma ou dum advento, comunguei de barriga cheia e sem confissão. Minha tia Bibi aterrada queria correr, gritar, impedir o sacrilégio. Foi obstada por tia Alice que não gostava de escândalo, que ia à missa por automatismo e que logo declarou que aquilo não fazia mal nem tinha importância. Menino dessa idade tem lá pecado? Ai! de mim que já os tinha e negros..."
Pois. Hoje estive no Colégio Maria Raythe, na Haddock Lobo, em busca da capela onde Pedrinho comungou e arrotou de barriga cheia.
Já não há. O colégio ainda existe, mas reconstruído. Não houve reforma ou restauração. A escola antiga foi toda ela posta abaixo (tombada naquele outro sentido mais funesto e mais querido pelos alcaides) em 1984, justo o ano do encantamento de Nava.
Para piorar, as duas mulheres que me atenderam, uma freira e uma diretora, ambas muito gentis, juraram de pés juntos que Nava estava errado, confuso, posto que "sempre houvera as escadas da frente". Perdi um pouco as cores e tentei, gaguejante, "Senhora, trata-se de Pedro Nava, o maior memorialista do Brasil", para ouvir, em réplica "Ah, ele já devia estar confuso". *Sigh
De qualquer modo, consegui com elas ver fotos e vitral da antiga capela. Que permanece intacta, suspensa no ar, neste mundo de aparências.
1 comment:
terminei de ler balão cativo esse mês. não sei se é só o viés de brasileiro, mas as memórias dele me agradam muito mais do que as de proust
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