Não se fala muito na Ligúria, né? Por aqui não rendeu prato ou pizza como calabresa, bolonhesa, milanesa, napolitana, piamontese. É faixa de terra estreita encravada no mar, onde estive duas vezes: quando em Gênova e, três anos depois, numa viagem odisseica de trem que nos levou de Napoli a Alba, no Piemonte, aonde fomos para trufas e Barberas.
Em termos de indústria do turismo tem Gênova, claro, ainda que patinho feio, irmã do meio, perto das estupendas deslumbrantes Florença, Veneza, Roma. E tem Cinque Terre.
Mas a Ligúria do meu coração é outra, é terra de dois monstros: a banda de rock progressivo Museo Rosenbach, primus inter pares, até hoje minha preferida de todas, e o poeta genial que atende pelo nome de Eugenio Montale.
O Museo lançou o seminal Zarathustra há exatos 40 anos. Deus, onde a super edição quádrupla remasterizada com um livro de 500 páginas?
O Montale escreveu, dentre outros, "A Enguia".
A ENGUIA
A enguia, a sereia
dos mares frios que deixa o Báltico
para chegar aos nossos mares
aos nossos estuários, aos rios
que do fundo remonta, sob a maré adversa,
de ramo em ramo e depois
de delgado capilar em capilar
sempre mais dentro, mais no coração
do rochedo, filtrando
entre veios de lama até que um dia
desfrechada uma luz dos castanheiros
acende-lhe a faísca em poças de água morta
nos fossos que conjugam os vales
apeninos à Romanha;
a enguia, tocha, látego,
flecha de Amor na terra,
que só nas furnas ou nos ressequidos
riachos pirenaicos reconduzem
a paraísos de fecundação;
a alma verde que busca
vida onde somente
morde o ardor e a desolação
a centelha que diz
tudo começa quando tudo parece
carbonizar-se, tronco sepultado;
a íris breve, gêmea
daquela que cravas entre os cílios
e fazes brilhar intacta em meio aos filhos
do homem, imersos no teu lodo, como podes
não crê-la tua irmã?
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