Tuesday, September 25, 2012

Virá a morte e ela terá teus olhos



Li o diário de Pavese, O Ofício de Viver, numa das viagens mais difíceis da minha vida: Belém-Brasília de ônibus em fins de janeiro de 1989. Devastado, encontrava algum consolo naquela alma sensível e nada complacente consigo mesma. Terrivelmente só, ainda mais só por ter de dividir o assento com uma família de casal e três filhos pequenos em que o pai era de egoísmo e machismo absurdos, encontrei companhia no Pavese, no livro em si (comprado em Belém) e naquele admirável escritor. Não era ficção que eu lia, mas vêm a propósito as palavras de David Foster Wallace: "fiction’s about what it is to be a fucking human being,". Ele que escrevia apaixonadamente para, quem sabe, ajudar os leitores a "become less alone inside".

A ficção de Cesare Pavese, só a conheci muitos anos depois. Li A Lua e as Fogueiras enquanto Dantinho nascia e amei. Em seguida emendei com Mulheres Sós, que achei bobagem.

A poesia de Pavese, bem, só vim a conhecê-la neste ano, num formidável pé-sujo da Tijuca, com azulejos e cobogós de cores nunca dantes navegadas.


VERRÀ LA MORTE E AVRÀ I TUOI OCCHI 


Verrà la morte e avrà i tuoi occhi
questa morte che ci accompagna
dal mattino alla sera, insonne,
sorda, come un vecchio rimorso
o un vizio assurdo. I tuoi occhi
saranno una vana parola
un grido taciuto, un silenzio.
Così li veddi ogni mattina
quando su te sola ti pieghi
nello specchio. O cara speranza,
quel giorno sapremo anche noi
che sei la vita e sei il nulla.


Per tutti la morte ha uno sguardo.
Verrà la morte e avrà i tuoi occhi.
Sarà come smettere un vizio,
come vedere nello specchio
riemergere un viso morto,
come ascoltare un labbro chiuso.
Scenderemo nel gorgo muti.



VIRÁ A MORTE E ELA TERÁ OS TEUS OLHOS
(Trad. Mario Mieli)


Virá a morte e ela terá teus olhos
essa morte que nos acompanha
da manhã até a noite, insone,
surda, como um velho remorso
ou um vício absurdo. Teus olhos
serão uma vã palavra
um grito sufocado, um silêncio.
Assim os vês a cada manhã,
quando sobre ti sozinha te debruças
no espelho. Oh, cara esperança,
naquele dia saberemos nós também
que és a vida e és o nada.

Para todos a morte tem um olhar.
Virá a morte e ela terá teus olhos.
Será como acabar com um vício,
como ver no espelho
ressurgir um rosto morto,
como escutar lábios cerrados.
Redemoinharemos no abismo mudos.







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