Quando seu pai morreu, em 1911, Pedro Nava, menino de cinco anos, saiu de sua casa no Rio Comprido e foi com a mãe morar com sua avó materna em Juiz de Fora. Não foram os dias mais felizes.
Voltou ao Rio dois anos depois para ficar com seus tios cearenses em uma casa na Haddock Lobo, Tijuca, relativamente próxima de sua primeira casa carioca. Há mesmo uma região híbrida por ali difícil de definir entre Estácio, Rio Comprido e Tijuca. Modernamente, sempre que possível, chamam a tudo de Tijuca, Grande Tijuca, porque vende mais.
Bem, foi durante esses anos que Nava, Navinha, conheceu a menina do pavão, que morava no palácio do pavão. Em Balão Cativo lemos:
Mas voltemos às casas da Rua Haddock Lobo e olhemos aquela maravilha que eu chamava "o palácio do pavão". Era o número 195 e mantém-se exatamente o mesmo. Chama-se hoje a "casa da Vila e Terras de Santa Maria"; é branca como era e na sua janela de baixo a serralheria das grades representava um imenso pavão fazendo roda, cauda toda de ferro e corpo e cabeça e bico e crista de metal amarelo e polido. O pavão lá continua, na casa idêntica que era um arrojo de arquitetura naqueles princípios de século. O pavão lá continua mas, onde? onde estará? a menina da casa do pavão...
Se este que é o segundo volume de suas memórias saiu em 1973, não será mal supor que Nava tenha voltado ao palacete por volta de 1972, para reencontrá-lo intacto quase sessenta anos depois.
A ele retorno passados outros quarenta. Ele ainda está ali, pintado de azul-bebê (ia falando "azul orkut"). Foi tombado. Claro que o fato de ter se tornado "casa portuguesa" ajuda um bocado a sua preservação. Lamentável é que o muro erguido nos tenha roubado a vista do pavão. Se Nava já morria de amores por trabalhos de serralheria, como não se derreteria por este pavão, obra-prima art noveau?
O pavão lá continua, inda que escondido. Enterrará a todos nós, que o ferro, a salvo das picaretas, sói durar mais que este monte de carne, ossos e fezes de que somos feitos.
O pavão lá continua. Mas onde a menina do pavão?
O Pavão lá continua mas, onde? onde estará? a menina da casa do pavão... Estou a vê-la, a seus cabelos duros como juba, enroscados como molas e a seus olhos cintilantes. Vejo como se estivessem em minha frente, suas maçãs salientes, seu vestido branco, seu corpo de menina-e-moça e as fantásticas pernas que ela sempre calçava de meias pretas. Eram duas mas multiplicavam-se como raios de roda veloz quando -- deusa centopéica e miriapódica -- ela pulava corda. A idade? Teria seus doze, treze anos. Era esquiva e orgulhosa. Não adiantava parar diante da grade de prata, nem pasmar para suas evoluções no jardim de que ela era uma estátua só que animada e nem-te-ligo.
5 comments:
Sempre que por ali passo (e o faço pelo menos duas vezes por semana) e não estou em Marte ou em Xanadu, suspiro por aquela ilha de beleza encrustada no Rio Comprido (passou da Rua do Bispo, Long river é!
Isso mesmo, passou da Bispo, Long River é!!!!! Adorei Evandro. Fico tão feliz quando leio coisas lindas como esta. Quanto mais melhor. De grão em grão, sonho que as atuais gerações descubram o valor histórico e sentimental destes imóveis tão abandonados. ´Não é o caso desta casa que está sendo preservada pela colonia portuguesa. Parabéns!!! e obrigada
Uau!
=)
Evandro, eu também me encantava com a descrição lendo o Nava e sempre verificava se o pavão continuava lá. Ainda bem que sim, embora com pouca evidência.
Helion
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