Wednesday, April 30, 2014

Amor escrito em muro se diz farsa




amor escrito em muro se disfarça
no que sempre será :: o cisco o risco
a formar letras garatujas sobre
o branco do muro : amor rabisco
a despresar todas ortograffias
amor escrito em muro se diz farsa
no vasto mundo que não o compreende
porque se quer a fábula do real
amor escrito em susto se compraz
e traz a paz e doses de tormento
amor tolo sequer se compreende
mas ri à toa como o Chico Bento
quando rouba goiabas do Nhô Lau

(tá, neguinha, é isso. beijo. tchau)








Gozando Junto IIIIIIII

Itaim


Espero não tenham achado que a série tinha terminado.

Tivesse, o que faria eu com isso?

Grajaú

Centro SP

Índios

Edmundo

Horizonte


Tuesday, April 29, 2014

Azulejos na Tijuca


Num prédio da Rua Uruguai, perto da Barão de Mesquita, três generosos paineis de 150 azulejos cada. Os motivos são os usuais :: paisagens europeias bucólicas, de acentuado sabor escapista. A presença humana é mínima, o que é bom, pois quando existe, como no primeiro painel, o tratamento é um pouco desleixado. Disse "europeia"? O terceiro trabalho tem cariz tropical, algo orientalista, quem sabe o luso-tropical de Freyre.
A assinatura no canto nos fala de uma Cerâmica Brasileira / Irmãos Silva Ltda. A data é 1963.

Vislumbrei um dos paineis do interior do 226. Dias depois procurei pelo prédio, na volta da queixada (ver aqui), mas ele desaparecera. Hoje encontro não o um, mas três. Maravilha.
Quando saiu de Copacabana, arrastando atrás de si minha vó e três filhos assustados, meu avô (aqui) desajustado dizia que ia para a Tijuca atrás do "ar das montanhas". Talvez tivesse ele visto esses paineis e sonhado.
(Se bem, em que pese tanto prédio e ônibus, se alçamos um pouco a vista vemos que o Maciço da Tijuca continua lá...)





O Jardim da Casa Brasileira



Escrevi brevemente aqui sobre o Museu da Casa Brasileira, coisa linda e acolhedora, prédio e jardim, exposições e restaurante, acervo e palestras e música.

Estas fotos são do jardim apenas.

O jardim do Solar Fábio Prado seguiu a estética da época: quanto mais exótica a planta, melhor, sem conexão com os capões da antiga Mata Atlântica que ali existiam. Mas mesmo assim esbarramos numa jabuticabeira aqui, outra ali. E com o tempo novas árvores são plantadas, o cedro-rosa, o cambuci, a copaíba.

E, claro, a araucária. Ou vocês acham que Pinheiros se chama assim por quê?





Monday, April 28, 2014

Teus Pés :: Resposta ao Pablo



Neruda querido Neruda querudo, já euzinho aqui quero seus pés antes de me encontrarem e não os amo apenas porque me encontraram.

Quero e amo pelo que são. E pelo(s) caminho(s) que trilham.

Claro que tudo que quero é que eles os pés caminhem junto aos meus. A mim cabe enfeitiçá-los para que aos meus encontrem sempre,

Um soneto do ano passado

Aqui.

depois de amar deitar os pés na grama
sentir como acolhe e refresca as plantas
que este milagre que se chama orvalho
é o amor que se faz enquanto as roldanas
baixam e alçam as cores do céu
e o sangue pingado nas quaresmeiras
é o amor que se faz como brincadeira
de bichos vadios vagando ao léu
-->
fazer-se bicho
fazer-se bicho devorar a grama
será este o segredo de quem ama
ver nos olhos o céu descomedido
ao borrifar de orvalho quente a grama 


(A) Teus Pés :: Neruda


TUS PIES
neruda


Cuando no puedo mirar tu cara
miro tus pies.

Tus pies de hueso arqueado,
tus pequeños pies duros.

Yo sé que te sostienen,
y que tu dulce peso
sobre ellos se levanta.

Tu cintura y tus pechos,
la duplicada púrpura de tus pezones,
la caja de tus ojos que recién han volado,
tu ancha boca de fruta,
tu cabellera roja,
pequeña torre mía.

Pero no amo tus pies
sino porque anduvieron
sobre la tierra y sobre
el viento y sobre el agua,
hasta que me encontraron.









Tuesday, April 22, 2014

Rio Comprido ::: Registros

Já falei sobre o Rio Comprido (aqui e aqui) e não me cansarei de fazê-lo.

Mas é que houve tarde de domingo ainda agora em que por lá voltei. E não canso.









Prog Francês ::: Ange



Antes que o Dante completasse quatro anos, teve época em que sua insônia crônica atingia picos que rasgavam os gráficos: em cinco dias, digamos, ele dormia assim umas quinze horas. 

Me lembro de tudo, como, por exemplo, de uma época em que eu estava inteiramente só com ele varando  noites empurrando carrinho. Não foi nada fácil. Nesse período, em 2011, lembro-me de noite em que ouvi repetidas vezes o Ange, os três discos que possuo. Era uma estratégia de não ceder ao desespero, ouvir música baixinho e escrever mentalmente textos.

Assim rascunhei resenha completa do Au Delà du Délire, obra máxima deste grupo progressivo francês. Completa com citações e o escambau. Claro que tudo se perdeu e a resenha deste disco fantástico nunca saiu.

Nem é hoje que sai. Ao ouvi-lo hoje e ao rememorar dias dolorosos, direi apenas que, se não se pode julgar livros e discos pelas suas capas, aqui vá sem erro. A capa mais bonita do rock progressivo francês veste este que é o disco mais perfeito daquele país. Amantes de uma interpretação teatral, à beira do histriônico, preparem-se :: Christian Descamps pode deixar Peter Gabriel no chinelo e as letras de "Se eu Fosse o Messias" e "Ballade Pour Une Orgie" desconcertam e na segunda parte da faixa-título Christian deixa-se cair no charco para voltar à terra de onde veio e nós ficamos com o solo de guitarra mais sem palavras.





Thursday, April 17, 2014

Foi só depois que reparei




foi só depois que reparei que sob
as mãos havia mesa de madeira
com secretas ranhuras, que brilhavam
porque na hora da foto do Nokinha
meus olhos só tinham olhos pros olhos
daquela que em seu gozo verte óleos
que me lambuzam olhos óleos olha
só o soneto todo ele óleos
assim quero molhar os decassílabos
quando lembro o teu corpo lateral
e vibrante colado junto ao meu
assim fazemos nosso amor em l
a consoante líquida e ereta
o nosso gozo tatuado em pele

O Desenho da Duda




Não ganhei ainda com a poesia dinheiro suficiente para minha villa toscana ou meu vinhedo em Barolo ou para comprar juízes de futebol. Isso virá com o tempo.

Enquanto isso, esse estranho esporte de escrever poemas e às vezes publicá-los em livros me rende dividendos jamais sonhados.

Este. Duda, sobrinha e afilhada da colega e amiga Alê, ao ler Limeriques para o Dante, interessa-se pela história por detrás dos versos. Alessandra narra, ela desenha, no próprio livro dela.

Villa vinhedo juiz podem esperar. Ganhei já mais do que esperava.

Queixada do Arco-da-Velha




Há muitos anos o pai me presenteou com Cozinha do Arco-da-Velha, pequena jóia com textos de Odylo Costa Filho, Carlos Chagas Filho, Pedro Costa e, last but not least, Pedro Nava. O de Nava, "A Fabulosa Cozinha de Dona Íris", não consta de suas memórias, o que já justificaria a aquisição do livro.

A Cozinha tem textos e muitas receitas. Encontram-se bacalhau, vatapá, caruru, feijão-tropeiro, camarão com chuchu, doce de leite e pamonha, mas fazendo jus ao nome, é nas páginas que versam sobre cobra, tanajura, macaco, lagarto e gambá, colibri e papagaio, que o livro diz a que veio. E tome receita! Só de cobra há cinco!. Mesmo número para as de macaco (pode ser refogado com pepinos, cozido com bananas, assado no forno ou no espeto).

Tem ainda tatu, cotia, mas paca não. E nem queixada. O que me lembrou a definição de kafkeano de Drummond: "tudo aquilo que Kafka não pensou". Neste raciocínio, a queixada talvez seja tão do arco-da-velha que nem se acha em livro sobre cozinha do arco-da-velha.

Comi uma ótima na Tijuca dia desses. Me ressenti apenas de estar em restaurante frequentado pela fina flor da burguesia tijucana, não por preconceito meu ou deles, mas é que em momentos aquela queixada pedia ataques visigodos, a carne arrancada por caninos incivilizados, os ossos chupados até que deles pouco restasse.

Mas da queixada não me queixo: ótima. Não foi é boa a ideia de servi-la com o arroz negro, por si já tão temperado. Rolou competição. Melhor seria um arroz branquinho, que aos poucos se adourasse com o molho do bicho. Ou, quem sabe, com o palmito na casca, por sinal especialidade da casa.

Tuesday, April 15, 2014

Como se Fosse um Dente-de-Leão




sopre o cabelo teimoso em teu rosto
como se fosse um dente-de-leão
aquele dente-de-leão colhido
na estrada pedregosa mantiqueira
outros não eu construam altos prédios
outros não eu carimbem papeletas
e se dirijam para os escritórios
a mim só caiba este labor apenas
soprar o cabelo teimoso em teu rosto
como se fosse um dente-de-leão
este o ofício recebido illo
tempore na nona esfera dantesca
do paraíso ::: e entre os espaços conquistados
ao vento frágil eu te imprima um beijo

Sunday, April 13, 2014

Abril é Onde Estamos (ou Sim é Palavra Aprazível)

Grajaú :: abril de 2014

e.e. cummings said ::

yes is a pleasant country:
if's wintry
(my lovely)
let's open the year

both is the very weather
(not either)
my treasure,
when violets appear

love is a deeper season
than reason;
my sweet one
(and april's where we're)


*¨*¨*¨*¨*¨*¨*¨¨


Eu tinha o cummings lendo este poema em fita cassete. Não localizei na rede, o que é pena. Sua interpretação, nem sempre precisa, aqui é perfeita (*sigh) ::: sua absurda tranquilidade) 

Monday, April 07, 2014

Amanhã Recomeço ::: O Elefante de Drummond




Tivesse o Drummond escrito apenas este poema, já ocuparia lugar cativo no coração. E nas antologias de qualquer país.

O Elefante me acompanha há anos e chega a ser engraçado que eu não tenha lembrado na hora da foto com o Dante.

Porque é menos a foto, estarmos ali perto do grande bicho. É mais o "amanhã recomeço".

Confesso tantas vezes, momentos difíceis, esqueço disso. Mas depois lembro. E como que dá uma força.


O Elefante
Carlos Drummond de Andrade


Fabrico um elefante
de meus poucos recursos.
Um tanto de madeira
tirado a velhos móveis
talvez lhe dê apoio.
E o encho de algodão,
de paina, de doçura.
A cola vai fixar
suas orelhas pensas.
A tromba se enovela,
é a parte mais feliz
de sua arquitetura.
Mas há também as presas,
dessa matéria pura
que não sei figurar.
Tão alva essa riqueza
a espojar-se nos circos
sem perda ou corrupção.
E há por fim os olhos,
onde se deposita
a parte do elefante
mais fluida e permanente,
alheia a toda fraude.
Eis o meu pobre elefante
pronto para sair
à procura de amigos
num mundo enfastiado
que já não crê em bichos
e duvida das coisas.
Ei-lo, massa imponente
e frágil, que se abana
e move lentamente
a pele costurada
onde há flores de pano
e nuvens, alusões
a um mundo mais poético
onde o amor reagrupa
as formas naturais.
Vai o meu elefante
pela rua povoada,
mas não o querem ver
nem mesmo para rir
da cauda que ameaça
deixá-lo ir sozinho.
É todo graça, embora
as pernas não ajudem
e seu ventre balofo
se arrisque a desabar
ao mais leve empurrão.
Mostra com elegância
sua mínima vida,
e não há cidade
alma que se disponha
a recolher em si
desse corpo sensível
a fugitiva imagem,
o passo desastrado
mas faminto e tocante.
Mas faminto de seres
e situações patéticas,
de encontros ao luar
no mais profundo oceano,
sob a raiz das árvores
ou no seio das conchas,
de luzes que não cegam
e brilham através
dos troncos mais espessos.
Esse passo que vai
sem esmagar as plantas
no campo de batalha,
à procura de sítios,
segredos, episódios
não contados em livro,
de que apenas o vento,
as folhas, a formiga
reconhecem o talhe,
mas que os homens ignoram,
pois só ousam mostrar-se
sob a paz das cortinas
à pálpebra cerrada.
E já tarde da noite
volta meu elefante,
mas volta fatigado,
as patas vacilantes
se desmancham no pó.
Ele não encontrou
o de que carecia,
o de que carecemos,
eu e meu elefante,
em que amo disfarçar-me.
Exausto de pesquisa,
caiu-lhe o vasto engenho
como simples papel.
A cola se dissolve
e todo o seu conteúdo
de perdão, de carícia,
de pluma, de algodão,
jorra sobre o tapete,
qual mito desmontado.
Amanhã recomeço.



PS: Roubei dois versos na cara-dura no meu poema "Nós, Passarinho" :: "Este mundo enfastiado / Que já não crê nos bichos." Só agora confesso.

Esta postagem para a Crê e para a Bá. Amanhã a gente recomeça.

Este lugar, amor, me lembra a Grécia




Este lugar, amor, me lembra a Grécia
me diz Camila com sua voz de aveia
e mel ao telefone. Vem, esquece a
aula que você tinha que dar. Sei a
quilo que te fará bem, vem ligeiro
vou. E me indago o que será: um templo?
colunas dóricas? ou azeitonas?
ou terá ela tropeçado num bouzoki
depois de encher a cara de metaxa?
ou terá visto o ar intraduzível
estampado nos lábios desses kores?
chego :: ela me sorri e diz: não vês?
só havia gatos: um, três, cinco
todos intransitivamente gatos

Atenas ::: Sem Templos ou Igrejas Bizantinas

Algumas fotos da Atenas sem uma coluna dórica ou jônica, sem ícone de igreja bizantina.

E não menos eterna.